sexta-feira, 29 de julho de 2022

Felizes os que mereceram receber a Cristo em sua casa


Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo
(Sermo 103, 1-2. 6: PL 38, 613.615)
(Séc.V)

Felizes os que mereceram receber a Cristo em sua casa

As palavras de nosso Senhor Jesus Cristo nos advertem que, em meio à multiplicidade das ocupações deste mundo, devemos aspirar a um único fim. Aspiramos porque estamos a caminho e não em morada permanente; ainda em viagem e não na pátria definitiva; ainda no tempo do desejo e não na posse plena. Mas devemos aspirar, sem preguiça e sem desânimo, a fim de podermos um dia chegar ao fim.
Marta e Maria eram irmãs, não apenas irmãs de sangue, mas também pelos sentimentos religiosos. Ambas estavam unidas ao Senhor; ambas, em perfeita harmonia, serviam ao Senhor corporalmente presente. Marta o recebeu como costumam ser recebidos os peregrinos. No entanto, era a serva que recebia o seu Senhor; uma doente que acolhia o Salvador; uma criatura que hospedava o Criador. Recebeu o Senhor para lhe dar o alimento corporal, ela que precisava do alimento espiritual. O Senhor quis tomar a forma de servo e, nesta condição, ser alimentado pelos servos, por condescendência, não por necessidade. Também foi por condescendência que se apresentou para ser alimentado. Pois tinha assumido um corpo que lhe fazia sentir fome e sede.
Portanto, o Senhor foi recebido como hóspede, ele que veio para o que era seu, e os seus não o acolheram. Mas, a todos que o receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,11-12). Adotou os servos e os fez irmãos; remiu os cativos e os fez co-herdeiros. Que ninguém dentre vós ouse dizer: Felizes os que mereceram receber a Cristo em sua casa! Não te entristeças, não te lamentes por teres nascido num tempo em que já não podes ver o Senhor corporalmente. Ele não te privou desta honra, pois afirmou: Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes (Mt 25,40).
Aliás, Marta, permite-me dizer-te: Bendita sejas pelo teu bom serviço! Buscas o descanso como recompensa pelo teu trabalho. Agora estás ocupada com muitos serviços, queres alimentar os corpos que são mortais, embora sejam de pessoas santas. Mas, quando chegares à outra pátria, acaso encontrarás peregrinos para hospedar? encontrarás um faminto para repartires com ele o pão? um sedento para dares de beber? um doente para visitar? um desunido para reconciliar? um morto para sepultar? Lá não haverá nada disso. Então o que haverá? O que Maria escolheu: lá seremos alimentados, não alimentaremos. Lá se cumprirá com perfeição e em plenitude o que Maria escolheu aqui: daquela mesa farta, ela recolhia as migalhas da palavra do Senhor. Queres realmente saber o que há de acontecer lá? É o próprio Senhor quem diz a respeito de seus servos: Em verdade eu vos digo: ele mesmo vai fazê-los sentar-se à mesa e, passando, os servirá (Lc 12,37).

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Participantes da paixão de Cristo.


Das Homilias sobre Mateus, de São João Crisóstomo, bispo

(Hom. 65,2-4:PG58,619-622)
(Séc.IV)

Participantes da paixão de Cristo

Os filhos de Zebedeu pedem a Cristo: Deixa-nos sentar um à tua direita e outro, à tua esquerda (Mc 10,37). Que resposta lhes dá o Senhor? Para mostrar que no seu pedido nada havia de espiritual, e se soubessem o que pediam não teriam ousado fazê-lo, diz: Não sabeis o que estais pedindo (Mt 20,22), isto é, não sabeis como é grande, admirável e superior aos próprios poderes celestes aquilo que pedis. Depois acrescenta: Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? (Mt 20,22). É como se lhes dissesse: “Vós me falais de honras e de coroas; eu, porém, de combates e de suores. Não é este o tempo das recompensas, nem é agora que minha glória há de se manifestar. Mas a vida presente é de morte violenta, de guerra e de perigos”.

Reparai como o Senhor os atrai e exorta, pelo modo de interrogar. Não perguntou: “Podeis suportar os suplícios? podeis derramar vosso sangue? Mas indagou: Por acaso podeis beber o cálice? E para os estimular, ainda acrescentou: que eu vou beber? Assim falava para que, em união com ele, se tornassem mais decididos. Chama sua paixão de batismo, para dar a entender que os sofrimentos haviam de trazer uma grande purificação para o mundo inteiro. Então os dois discípulos lhe disseram: Podemos (Mt 20,22). Prometem imediatamente, cheios de fervor, sem perceber o alcance do que dizem, mas com a esperança de obter o que pediam.

Que afirma o Senhor? De fato, vós bebereis do meu cálice (Mt 20,23), e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado (Mc 10,39). Grandes são os bens que lhes anuncia, a saber: “Sereis dignos de receber o martírio e sofrereis comigo; terminareis a vida com morte violenta e assim participareis da minha paixão”. Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. Meu Pai é quem dará esses lugares àqueles para os quais ele os preparou (Mt 20,23). Somente depois de lhes ter levantado os ânimos e de tê-los tornado capazes de superar a tristeza é que corrigiu o pedido que fizeram.

Então os outros dez discípulos ficaram irritados contra os dois irmãos
 (Mt 20,24). Vedes como todos eles eram imperfeitos, tanto os que tentavam ficar acima dos outros, como os dez que tinham inveja dos dois? Mas, como já tive ocasião de dizer, observai-os mais tarde e vereis como estão livres de todos esses sentimentos. Prestai atenção como o mesmo apóstolo João, que se adianta agora por este motivo, cederá sempre o primeiro lugar a Pedro, quer para usar da palavra, quer para fazer milagres, conforme se lê nos Atos dos Apóstolos. Tiago, porém, não viveu muito mais tempo. Desde o princípio, pondo de parte toda aspiração humana, elevou-se a tão grande santidade que bem depressa recebeu a coroa do martírio.

sábado, 23 de julho de 2022

Elevação da mente ao Cristo salvador


Das Orações, atribuídas a Santa Brígida

(Oratio 2: Revelationum S. Birgittae libri, 2, Romae 1628, p. 408-410)
(Séc. XIV)

Elevação da mente ao Cristo salvador

Bendito sejas tu, Senhor meu, Jesus Cristo, que com antecedência predisseste tua morte, e na última ceia maravilhosamente consagraste em teu precioso corpo o pão material; aos apóstolos o entregaste por amor em memória de tua digníssima paixão e, lavando-lhes humildemente os pés com tuas mãos preciosas, demonstraste a máxima humildade.
Honra a ti, meu Senhor, Jesus Cristo que, no temor do sofrimento e da morte, fizeste correr de teu corpo inocente sangue como suor, e, mesmo assim, realizaste até o fim nossa redenção, objeto de teu desejo, e deste modo revelaste de modo claríssimo a caridade que tens pelo gênero humano.
Bendito sejas tu, Senhor meu, Jesus Cristo, que foste levado a Caifás, e tu, o juiz de todos, permitiste a humilhação de seres entregue ao julgamento de Pilatos.
Glória a ti, Senhor meu, Jesus Cristo, pelas zombarias que suportaste quando, revestido de púrpura, coroado de agudíssimos espinhos, permaneceste de pé; e sofreste em tua gloriosa face ser cuspido, ter os olhos vendados e com a máxima paciência ser duramente batido no rosto e no peito pelas infelizes mãos dos perversos.
Louvor a ti, Senhor meu, Jesus Cristo, que te deixaste ser atado à coluna, flagelado desumanamente e coberto de sangue, ser conduzido a Pilatos e mostrando-te qual cordeiro inocente.
Honra a ti, Senhor meu, Jesus Cristo, que, ensangüentado em todo o teu corpo, foste condenado à morte de cruz, e a carregaste com dores em teus sagrados ombros; conduzido com fúria ao lugar da paixão, despojado das vestes, assim quiseste ser pregado no lenho da cruz.
Honra perpétua a ti, Senhor Jesus Cristo, que, em tanta angústia, humildemente olhaste com teus benignos olhos amorosos tua excelente mãe, que nunca pecou nem jamais consentiu no mínimo pecado; e, consolando-a, a entregaste a teu discípulo para ser fielmente protegida.
Bênção eterna a ti, Senhor meu, Jesus Cristo, que, na agonia da morte, deste a todos os pecadores a esperança do perdão, quando ao ladrão voltado para ti prometeste misericordiosamente a glória do paraíso.
Louvor eterno a ti, Senhor meu, Jesus Cristo, por todas as horas em que na cruz suportaste as máximas amarguras e angústias por nós, pecadores; pois as dores agudíssimas nascidas de tuas chagas penetravam barbaramente em tua bem-aventurada alma e atravessavam cruelmente teu sacratíssimo coração, até que com um grito rendeste o espírito e, de cabeça inclinada, o entregaste humildemente às mãos de Deus, teu Pai; e então morto, ficaste com teu corpo todo frio.
Bendito sejas tu, meu Senhor Jesus Cristo, que com teu precioso sangue e morte sacratíssima remiste nossas almas e as levaste em tua misericórdia deste exílio para a vida eterna.
Glória a ti, meu Senhor, Jesus Cristo, que quiseste que teu bendito corpo fosse descido da cruz por teus amigos e reclinado nas mãos de tua mãe dolorosa; e aceitaste ser envolto por ela em lençóis, depositado no sepulcro e ali ser guardado por soldados.
Honra sempiterna a ti, meu Senhor, Jesus Cristo, que ressuscitaste ao terceiro dia e àqueles que escolheste te manifestaste; depois de quarenta dias, subiste ao céu à vista de muitos, e lá colocaste honrosamente teus amigos que havias libertado dos infernos.
Júbilo e louvor eterno a ti, Senhor Jesus Cristo, que enviaste o Espírito Santo aos corações dos discípulos e neles aumentaste o imenso amor divino.
Bendito sejas tu, louvável e glorioso pelos séculos, meu Senhor Jesus, que te assentas no trono em teu reino dos céus, na glória de tua divindade, vivendo no corpo com todos os santíssimos membros que recebeste da carne da Virgem. E deste modo, voltarás no dia do juízo para julgar as almas de todos os vivos e mortos; que vives e reinas com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos. Amém.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Santa Maria Madalena, Apóstola dos Apóstolos


Das Homilias sobre os evangelhos, de São Gregório Magno, papa

(Hom.25,1-2.4-5:PL 76,1189-1193)
(Séc.VI)

Sentia o desejo ardente de encontrar a Cristo, que julgava ter sido roubado
Maria Madalena, tendo ido ao sepulcro, não encontrou o corpo do Senhor. Julgando que fora roubado, foi avisar aos discípulos. Estes vieram também ao sepulcro, viram e acreditaram no que a mulher lhes dissera. Sobre eles está escrito logo em seguida: Os discípulos voltaram então para casa (Jo 20,10). E depois acrescenta-se: Entretanto, Maria estava do lado de fora do túmulo, chorando (Jo 20,11). Este fato leva-nos a considerar quão forte era o amor que inflamava o espírito dessa mulher, que não se afastava do túmulo do Senhor, mesmo depois de os discípulos terem ido embora. Procurava a quem não encontrara, chorava enquanto buscava e, abrasada no fogo do seu amor, sentia a ardente saudade daquele que julgava ter sido roubado. Por isso, só ela o viu então, porque só ela o ficou procurando. Na verdade, a eficácia das boas obras está na perseverança, como afirma também a voz da Verdade: Quem perseverar até o fim, esse será salvo (Mt 10,22).

Ela começou a procurar e não encontrou nada; continuou a procurar, e conseguiu encontrar. Os desejos foram aumentando com a espera, e fizeram com que chegasse a encontrar. Pois os desejos santos crescem com a demora; mas se diminuem com o adiamento, não são desejos autênticos. Quem experimentou este amor ardente, pôde alcançar a verdade. Por isso afirmou Davi: Minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de ver a face de Deus? (Sl 41,3). Também a Igreja diz no Cântico dos Cânticos: Estou ferida de amor (Ct 5,8). E ainda: Minha alma desfalece (cf.Ct 5,6).

Mulher, por que choras? A quem procuras? (Jo 20,15). É interrogada sobre o motivo de sua dor, para que aumente o seu desejo e, mencionando o nome de quem procurava, se inflame ainda mais o seu amor por ele. Então Jesus disse: Maria (Jo 20,16). Depois de tê-la tratado pelo nome comum de mulher sem que ela o tenha reconhecido, chama-a pelo próprio nome. Foi como se lhe dissesse abertamente: Reconhece aquele por quem és reconhecida. Não é entre outros, de maneira geral, que te conheço, mas especialmente a ti. Maria, chamada pelo próprio nome, reconhece quem lhe falou; e imediatamente exclama: Rabuni, que quer dizer Mestre (Jo 20,16). Era ele a quem Maria Madalena procurava exteriormente; entretanto, era ele que a impelia interiormente a procurá-lo.

sábado, 9 de julho de 2022

Do Decreto Perfectae caritatis sobre a renovação da vida religiosa.

Do Decreto Perfectae caritatis sobre a renovação da vida religiosa, do Concílio Vaticano II (N.1.5.6.12)
(Séc.XX)

A Igreja segue seu único esposo

Desde os primórdios da Igreja, existiram homens e mulheres que pela prática dos conselhos evangélicos se propuseram seguir a Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de perto, levando, cada qual a seu modo, uma vida consagrada a Deus. Muitos dentre eles, movidos pelo Espírito Santo, ou passaram a vida na solidão ou fundaram famílias religiosas, que a Igreja de boa vontade acolheu e aprovou com sua autoridade. Assim surgiu, por desígnio de Deus, uma admirável variedade de comunidades religiosas, que muito contribuiu para que a Igreja não apenas esteja qualificada para toda boa obra (cf. 2Tm 3,17) e preparada para o exercício do seu ministério, para edificar o Corpo de Cristo (cf. Ef 4, 12), mas também, enriquecida com os vários dons de seus filhos, se apresente qual esposa enfeitada para o seu marido (Ap 21,1) e, através dela, se manifeste a multiforme sabedoria de Deus (Ef 3,10).
            Em tão grande variedade de dons, todos os que são chamados à prática dos conselhos evangélicos, e os professam com fidelidade, consagram-se de maneira especial ao Senhor, seguindo a Cristo que, sendo virgem e pobre, redimiu e santificou os homens pela obediência até a morte de cruz (cf. Fl 2,8). Movidos assim pela caridade que o Espírito Santo derramou em seus corações, vivem cada vez mais para Cristo e para o seu corpo, isto é, a Igreja (Cl 1,24). Por conseguinte, quanto mais fervorosamente se unem a Cristo, por essa doação de si mesmos que abrange a vida toda, tanto mais se enriquece a vida da Igreja e mais vigorosamente fecundo se torna seu apostolado.
            Os membros de cada instituto recordem antes de mais nada que, pela profissão dos conselhos evangélicos, responderam a um chamado divino, de forma que não apenas morrendo para o pecado, mas também renunciando ao mundo, vivam exclusivamente para Deus. Colocaram toda a sua vida ao serviço de Deus, o que constitui uma consagração especial, que está intimamente radicada na consagração do batismo e a exprime mais plenamente.
            Os que professam os conselhos evangélicos, acima de tudo, busquem e amem a Deus, que primeiro nos amou; e procurem em todas as circunstâncias cultivar a vida escondida com Cristo em Deus, da qual deriva e recebe estímulo o amor do próximo para a salvação do mundo e a edificação da Igreja. É também esta caridade que anima e dirige a própria prática dos conselhos evangélicos.
            A caridade que os religiosos professam por causa do Reino dos Céus (Mt 19,12) deve ser considerada como um precioso dom da graça. Liberta de modo singular o coração do homem para que se inflame mais na caridade para com Deus e para com todos os homens; por isso ela é um sinal peculiar dos bens celestes e um meio eficacíssimo para levar os religiosos a se dedicarem generosamente ao serviço de Deus e às obras de apostolado. Assim, eles dão testemunho, perante todos os fiéis cristãos, daquela admirável união estabelecida por Deus e que há de manifestar-se plenamente na vida futura, pela qual a Igreja tem a Cristo como seu único Esposo.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Santo é o templo de Deus, que sois vós


Do Comentário sobre o Salmo 118, de Santo Ambrósio, bispo
(Nn. 12, 13-14: CSEL 62,258-259)
(Séc. IV)

Santo é o templo de Deus, que sois vós

Eu e o Pai viremos e faremos nele nossa morada. Franqueia, então, a tua porta ao que vem, abre tua alma, alarga o íntimo de tua mente para veres as riquezas da simplicidade, os tesouros da paz, a doçura da graça. Dilata o coração e corre ao encontro do sol, da eterna luz, a que ilumina a todo homem. Esta luz verdadeira brilha para todos. Mas, se alguém fecha as janelas, priva-se da eterna luz. Assim também Cristo é repelido se fechas a porta de teu espírito. Embora possa entrar, não quer ser importuno, não quer entrar à força. Recusa-se a usar de coação!
Nascido da Virgem, ele saiu do seio, irradiando luz sobre o mundo inteiro, refulgindo para todos. Os que desejam, acolhem a claridade inextinguível que noite alguma interrompe. Pois à do sol que vemos diariamente, sucede a noite escura; mas o sol da justiça jamais se põe, porque à sabedoria não sucede a maldade.
Feliz aquele a cuja porta Cristo bate. Nossa porta é a fé, que, quando sólida, defende a casa toda. Por esta porta Cristo entra. Daí dizer a Igreja no Cântico: A voz de meu irmão bate à porta. Escuta o que bate, escuta o que deseja entrar: Abre para mim, minha irmã esposa, minha pomba, minha perfeita, porque tenho a cabeça coberta de orvalho e meus cabelos, das gotas da noite.
Observa que o Deus Verbo bate à porta principalmente quando sua cabeça está coberta de orvalho noturno. Digna-se visitar os atribulados e tentados, para que não sucumbam às amarguras. A cabeça cobre-se de orvalho e de gotas quando o corpo sofre. Importa, portanto, vigiar para não ficar excluído à chegada do Esposo. Se dormes e o teu coração não vigia, afasta-se antes de bater. Se o teu coração está vigilante, bate e pede ser-lhe aberta a porta.
Possuímos a porta de nossa alma, possuímos também portais sobre os quais se diz: Levantai, príncipes, vossos portais, erguei-vos, portas eternas, e entrará o Rei da glória. Se quiseres levantar os portais de tua fé, entrará em ti o Rei da glória, trazendo a vitória de sua paixão. Tem também portas a justiça. Delas lemos o que disse o Senhor Jesus por meio de seu profeta: Abri-me as portas da justiça.
Há quem tenha portas, há quem tenha portais. A essas portas Cristo bate, bate aos portais. Abre, então, para ele; quer entrar, quer encontrar vigilante a Esposa.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Discípulo do apóstolo Paulo


De um Sermão de Santo Antônio Maria Zacaria, presbítero, a seus confrades
(J. A. Gabutio, História Congregationis Clericorum Regularum S. Pauli, 1,8)
(Séc. XVI)

Discípulo do apóstolo Paulo

Nós somos os tolos por causa de Cristo (1Cor 4,10), dizia de si, dos demais apóstolos e de todos os que professam a doutrina cristã e apostólica, o nosso santo guia e santíssimo patrono. Mas isto não é para admirar ou temer, irmãos caríssimos, pois o discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do seu senhor (Mt 10,24). Quanto aos que se opõem a nós, devemos ter compaixão e amá-los, ao invés de detestá-los e odiá-los; pois fazem mal a si mesmos e atraem o bem sobre nós; contribuem para alcançarmos a coroa da glória eterna, ao passo que, sobre si, provocam a ira de Deus. E mais ainda: devemos rezar por eles, e não nos deixarmos vencer pelo mal, mas vencer o mal pelo bem, amontoando atos de piedade como brasas acesas de caridade em cima de suas cabeças (cf. Rm 12,20-21), como ensina nosso apóstolo. Desta maneira, vendo a nossa paciência e mansidão, convertam-se a melhores sentimentos e se inflamem no amor de Deus.
Apesar da nossa indignidade, Deus nos escolheu do mundo por sua misericórdia a fim de que, entregues ao seu serviço, vamos progredindo cada vez mais na virtude; e pela nossa paciência, possamos produzir abundantes frutos de caridade. Assim, alegremo-nos não apenas na esperança da glória dos filhos de Deus, mas também nas tribulações.
Considerai a vossa vocação (cf. 1Cor 1,26), caríssimos irmãos. Se quisermos examiná-la com atenção, veremos facilmente o que ela exige de nós: já que começamos a seguir, embora de longe, os passos dos apóstolos e dos outros soldados de Cristo, não recusemos também participar dos seus sofrimentos. Empenhemo-nos com perseverança no combate que nos é proposto, com os olhos em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé (Hb 12,1-2).
Nós que escolhemos um tão grande apóstolo como guia e pai, e fazemos profissão de imitá-lo, esforcemo-nos para que a nossa vida seja expressão da sua doutrina e do seu exemplo. Pois não seria conveniente que, sob as ordens de tão insigne chefe, fôssemos soldados covardes e desertores, ou que sejam indignos os filhos de um tão ilustre pai.

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Bem-aventurados os que promovem a paz.


Do Sermão atribuído a São Pedro Crisólogo, bispo

(De pace: PL 52,347-348)
(Séc. IV)

 Bem-aventurados os que promovem a paz

Diz o evangelista: Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (Mt 5,9). De fato, as virtudes cristãs florescem naquele que vive a concórdia da paz cristã; e só merecem o nome de filhos de Deus aqueles que promovem a paz.

É a paz, caríssimos, que liberta o homem da sua condição de escravo e lhe dá um nome nobre; que muda a sua condição perante Deus, transformando-o de servo em filho, de escravo em homem livre. A paz entre os irmãos é a realização da vontade de Deus, a alegria de Cristo, a perfeição da santidade, a norma da justiça, a mestra da doutrina, a guarda dos bons costumes e a louvável disciplina em todas as coisas. A paz é a recomendação das nossas orações, o caminho mais fácil e eficaz para as nossas súplicas, a realização perfeita de todos os nossos desejos. A paz é a mãe do amor, o vínculo da concórdia e o claro indício da pureza de coração, capaz de pedir a Deus tudo o que quer; pede tudo quanto quer e recebe tudo o que pede. A paz deve ser garantida pelos mandamentos do rei. É o que diz Cristo nosso Senhor: Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou (Jo 14,27). O que quer dizer: Deixei-vos em paz, em paz quero vos encontrar. Ao partir deste mundo, ele quis dar aquilo que deseja encontrar em todos quando voltar.

É um mandamento do céu conservar esta paz que Cristo nos deu. Uma só palavra resume o que ele desejou na despedida: que ao voltar, encontre o que deixou. Plantar e enraizar a paz é obra de Deus; arrancá-la totalmente é coisa do inimigo. Pois, assim como o amor fraterno vem de Deus, assim o ódio vem do demônio. Então devemos condenar o ódio, porque está escrito: Todo aquele que odeia seu irmão é um homicida (1Jo 4,7); conseqüentemente, quem não tem caridade também não possui a Deus.

Irmãos, pratiquemos os mandamentos; são eles que nos dão a vida. Que a nossa fraternidade se mantenha unida pelos laços de uma paz profunda: que ela se fortaleça mediante o vínculo salutar do amor recíproco que cobre uma multidão de pecados. Que este amor fraterno seja a nossa maior aspiração, pois ele pode nos dar todo bem e toda recompensa. A paz deve ser conservada mais do que todas as virtudes, porque onde existe paz, Deus aí está.

Amai a paz e em tudo encontrareis tranqüilidade. Desta maneira, a paz será para nós um prêmio, para vós uma alegria. E a Igreja de Deus, fundada na unidade da paz, se manterá fiel aos ensinamentos de Cristo.

domingo, 3 de julho de 2022

Solenidade de São Pedro e São Paulo.


Da Carta de São Paulo aos Gálatas 1,15-2,10

Encontro de Pedro e Paulo
Irmãos: 1,15Quando aquele que me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça 16se dignou revelar-me o seu Filho, para que eu o pregasse entre os pagãos, não consultei carne nem sangue 17nem subi, logo, a Jerusalém para estar com os que eram apóstolos antes de mim. Pelo contrário, parti para a Arábia e, depois, voltei ainda a Damasco.

18Três anos mais tarde, fui a Jerusalém para conhecer Cefas e fiquei com ele quinze dias. 19E não estive com nenhum outro apóstolo, a não ser Tiago, o irmão do Senhor. 20Escrevendo estas coisas, afirmo diante de Deus que não estou mentindo. 21Depois, fui para as regiões da Síria e da Cilícia. 22Ainda não era pessoalmente conhecido das Igrejas da Judéia que estão em Cristo. 23Apenas tinham ouvido dizer que “aquele que, antes, nos perseguia, está agora pregando a fé que, antes, procurava destruir”. 24E glorificavam a Deus por minha causa.

2,1Quatorze anos mais tarde, subi, de novo, a Jerusalém, com Barnabé, levando também Tito comigo. 2Fui lá, por causa de uma revelação. Expus-lhes o evangelho que tenho pregado entre os pagãos, o que fiz em particular aos líderes da Igreja, para não acontecer estivesse eu correndo em vão ou tivesse corrido em vão. 3Mas nem Tito, meu companheiro, embora pagão, foi obrigado a circuncidar-se, 4e isso, não obstante a presença de falsos irmãos, intrusos, que sorrateiramente se introduziram entre nós, para espionar a liberdade que temos em Cristo Jesus, com o fim de nos escravizarem. 5A essas pessoas não fizemos concessão, nem por um momento, para que a verdade do evangelho continuasse íntegra, no vosso meio.

6Quanto aos líderes da Igreja – o que tenham sido outrora não me interessa; Deus não faz acepção de pessoas – eles não me impuseram nada de novo. 7Pelo contrário, viram que a evangelização dos pagãos foi confiada a mim, como a Pedro foi confiada a evangelização dos judeus. 8De fato, aquele que preparou Pedro para o apostolado entre os judeus preparou-me também a mim para o apostolado entre os pagãos.

9Reconhecendo a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, considerados as colunas da Igreja, deram-nos a mão, a mim e a Barnabé, como sinal de nossa comunhão recíproca. Assim ficou confirmado que nós iríamos aos pagãos e eles iriam aos judeus. 10O que nos recomendaram foi somente que nos lembrássemos dos pobres. E isso procurei fazer sempre, com toda a solicitude.