sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo


Do Prólogo ao Comentário sobre o Profeta Isaías, de São Jerônimo, presbítero
(Nn.1.2: CCL 73,1-3)
(Séc.V)

Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo

Pago o que devo, obediente aos preceitos de Cristo que diz: Perscrutai as Escrituras (Jo 5,39); e: Buscai e achareis (Mt 7,7). Assim que não me aconteça ouvir com os judeus: Errais, sem conhecer as Escrituras nem o poder de Deus (Mt 22,29). Se, conforme o Apóstolo Paulo, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus, e quem ignora as Escrituras ignora o poder de Deus e sua sabedoria, ignorar as Escrituras é ignorar Cristo.

Daí que eu imite o pai de família que de seu tesouro tira coisas novas e antigas. E a esposa, no Cântico dos Cânticos, que diz: Coisas novas e antigas, irmãozinho meu, guardei para ti (cf. Ct 7,14 Vulg.). E explicarei Isaías ensinando a vê-lo não só como profeta, mas ainda como evangelista e apóstolo. Ele próprio falou de si e dos outros evangelistas: Como são belos os pés daqueles que evangelizam boas novas, que evangelizam a paz (Is 52,7). E também Deus lhe fala como a um apóstolo: Quem enviarei, e quem irá a este povo? E ele respondeu: Eis-me aqui, envia-me (cf. Is 6,8).

Ninguém pense que desejo resumir em breves palavras o conteúdo deste livro, pois esta escritura contém todos os mistérios do Senhor, falando do Emanuel, o nascido da Virgem, o realizador de obras e sinais estupendos, o morto e sepultado, o ressurgido dos infernos e o salvador de todos os povos. Que direi de física, ética e lógica? Tudo o que há nas santas Escrituras, tudo o que a língua humana pode proferir e uma inteligência mortal receber, está contido neste livro. Atesta esses mistérios quem escreveu: Será para vós a visão de todas as coisas como as palavras de um livro selado; se é dado a alguém que saiba ler, dizendo-lhe: Lê isto, ele responderá: Não posso, está selado. E se for dado a quem não sabe ler e se lhe disser: Lê, responderá: Não sei ler (Is 29,11-12).

E se alguém parecer fraco, ouça as palavras do mesmo Apóstolo: Dois ou três profetas falem e os outros julguem; mas se a outro que está sentado algo for revelado, que se cale o primeiro (1Cor 14,32). Como podem guardar silêncio, se está ao arbítrio do Espírito, que fala pelos profetas, o calar-se e o falar? Se na verdade compreendiam aquilo que diziam, tudo está repleto de sabedoria e de inteligência. Não era apenas o ar movido pela voz que chegava a seus ouvidos, mas Deus falava no íntimo dos profetas, segundo outro Profeta diz: O anjo que falava a mim (cf. Zc 1,9), e: Clamando em nossos corações, Abba, Pai (Gl 4,6), e: Ouvirei o que o Senhor Deus disser em mim (Sl 84,9).

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A palavra anjo indica o ofício, não a natureza

Das Homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, papa

(Hom. 34,8-9: PL 76,1250-1251)
(Séc. VI)

A palavra anjo indica o ofício, não a natureza

É preciso saber que a palavra anjo indica o ofício, não a natureza. Pois estes santos espíritos da pátria celeste são sempre espíritos, mas nem sempre podem ser chamados anjos, porque somente são anjos quando por eles é feito algum anúncio. Aqueles que anunciam fatos menores são ditos anjos; os que levam as maiores notícias, arcanjos. Foi por isto que à Virgem Maria não foi enviado um anjo qualquer, mas o arcanjo Gabriel; para esta missão, era justo que viesse o máximo anjo para anunciar a máxima notícia. Por este motivo também a eles são dados nomes especiais para designar, pelo vocábulo, seu poder na ação. Naquela santa cidade, onde há plenitude da ciência pela visão do Deus onipotente, não precisam de nomes próprios para se distinguirem uns dos outros. Mas quando vêm até nós para cumprir uma missão, trazem também entre nós um nome derivado desta missão. Assim Miguel significa: “Quem como Deus?”; Gabriel, “Força de Deus”; e Rafael, “Deus cura”.

Todas as vezes que se trata de grandes feitos, diz-se que Miguel é enviado, porque pelo próprio nome e ação dá-se a entender que ninguém pode por si mesmo fazer o que Deus quer destacar. Por isto, o antigo inimigo, que por soberba cobiçou ser igual a Deus, dizendo: Subirei ao céu, acima dos astros do céu erguerei meu trono, serei semelhante ao Altíssimo ( cf. Is 14,13-14), no fim do mundo, quando será abandonado às próprias forças para ser destruído no extremo suplício, pelejará com o arcanjo Miguel, como diz João: Houve uma luta com Miguel arcanjo (Ap 12,7).

A Maria é enviado Gabriel, que significa “Força de Deus”. Vinha anunciar aquele que se dignou aparecer humilde para combater as potestades do ar. Portanto devia ser anunciado pela força de Deus o Senhor dos exércitos que vinha poderoso no combate. Rafael, como dissemos, significa “Deus cura”, porque ao tocar nos olhos de Tobias como que num ato de cura, lavou as trevas de sua cegueira. Quem foi enviado a curar, com justiça se chamou “Deus cura”.


terça-feira, 27 de setembro de 2022

Deve-se preferir o serviço dos pobres acima de tudo


Dos Escritos de São Vicente de Paulo, presbítero

(Cf. Correspondance, Entretiens, Documents, ed. P. Coste, Paris 1920-1925, passim)
(Séc. XVII)

Deve-se preferir o serviço dos pobres acima de tudo

Não temos de avaliar os pobres por suas roupas e aspecto, nem pelos dotes de espírito que pareçam ter. Com frequência são ignorantes e curtos de inteligência. Mas muito pelo contrário, se considerardes os pobres à luz da fé, então percebereis que estão no lugar do Filho de Deus que escolheu ser pobre. De fato, em seu sofrimento, embora quase perdesse a aparência humana - loucura para os gentios, escândalo para os judeus - apresentou-se, no entanto, como o evangelizador dos pobres: Enviou-me para evangelizar os pobres (Lc 4,18). Devemos ter os mesmos sentimentos de Cristo e imitar aquilo que ele fez: ter cuidado pelos indigentes, consolá-los, auxiliá-los, dar-lhes valor.

Com efeito, Cristo quis nascer pobre, escolheu pobres para seus discípulos, fez-se servo dos pobres e de tal forma quis participar da condição deles, que declarou ser feito ou dito a ele mesmo tudo quanto de bom ou de mau se fizesse ou dissesse aos pobres. Deus ama os pobres, também ama aqueles que os amam. Quando alguém tem um amigo, inclui na mesma estima aqueles que demonstram amizade ou prestam obséquio ao amigo. Por isto esperamos que, graças aos pobres, sejamos amados por Deus. Visitando-os, pois, esforcemo-nos por entender os pobres e os indigentes e, compadecendo-nos deles, cheguemos ao ponto de poder dizer com o Apóstolo: Fiz-me tudo para todos (1Cor 9,22). Por este motivo, se é nossa intenção termos o coração sensível às necessidades e misérias do próximo, supliquemos a Deus que derrame em nós o sentimento de misericórdia e de compaixão, cumulando com ele nossos corações e guardando-os repletos.

Deve-se preferir o serviço dos pobres a tudo o mais e prestá-lo sem demora. Se na hora da oração for necessário dar remédios ou auxílio a algum pobre, ide tranquilos, oferecendo a Deus esta ação como se estivésseis em oração. Não vos perturbeis com angústia ou medo de estar pecando por causa de abandono da oração em favor do serviço dos pobres. Deus não é desprezado, se por causa de Deus dele nos afastarmos, quer dizer, interrompermos a obra de Deus, para realizá-la de outro modo.

Portanto, ao abandonardes a oração, a fim de socorrer a algum pobre, isto mesmo vos lembrará que o serviço é prestado a Deus. Pois a caridade é maior do que quaisquer regras, que, além do mais, devem todas tender a ela. E como a caridade é uma grande dama, faz-se necessário cumprir o que ordena. Por conseguinte, prestemos com renovado ardor nosso serviço aos pobres; de modo particular aos abandonados, indo mesmo à sua procura, pois nos foram dados como senhores e protetores.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A preciosa morte dos mártires cujo preço foi a morte de Cristo


Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo

(Sermo 329,1-2: PL 38,1454-1455)
(Séc. V)

A preciosa morte dos mártires
cujo preço foi a morte de Cristo

Pelos feitos tão gloriosos dos mártires, que fazem a Igreja florescer por toda parte, provamos com nossos próprios olhos como é verdadeiro o que cantamos: É preciosa aos olhos do Senhor a morte de seus santos (Sl 115,15). Portanto, é preciosa não só aos nossos olhos, mas aos olhos daquele por cujo nome se sofreu. Contudo o preço destas mortes é a morte de um só. Quantas mortes comprou um só com a sua morte? Se ele não morresse, o grão de trigo não se multiplicaria. Ouvistes suas palavras, estando próxima a paixão, quer dizer, quando se aproximava nossa redenção: Se o grão de trigo, caindo em terra, não morrer, ficará sozinho; morrendo, porém, produzirá muito fruto (Jo 12,24).

Houve na cruz um grande comércio: abriu-se ali a bolsa para pagar nosso custo; quando seu lado foi aberto pela lança do que feria, dali correu o preço do mundo inteiro. Foram comprados fiéis e mártires; mas a fé dos mártires suportou a prova: o sangue é testemunha. Retribuíram o que tinha sido pago por eles e realizaram as palavras de São João: Assim como Cristo entregou sua vida por nós, também nós devemos entregar nossas vidas pelos irmãos (cf. 1Jo 3,16). E em outro lugar se disse: Sentaste à grande mesa, observa com cuidado o que te oferecem porque deves preparar o mesmo (Pr 23,1-2). A grande mesa é aquela em que as iguarias são o próprio Senhor da mesa. Ninguém alimenta os convivas com sua pessoa, mas assim procede o Cristo Senhor: ele é que convida, ele é o pão e a bebida. Portanto, os mártires reconheceram o que comeram e o que beberam, para retribuírem o mesmo.

Mas como retribuir, a não ser que lhes desse com que retribuir aquele que primeiro pagou? Que retribuirei ao Senhor por tudo quanto me deu? Tomarei o cálice da salvação (Sl 115,12-13). Que cálice é este? O cálice da paixão, amargo e salutar; cálice que, se dele não bebesse antes o médico, o doente temeria tocá-lo.

É ele este cálice. Nós o reconhecemos nos lábios de Cristo que dizia: Pai, se possível for afaste-se de mim este cálice (Mt 26,39). Deste mesmo cálice disseram os mártires: Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor (Sl 115,13).

Não temos então medo de fraquejar? Por quê? Porque invocaremos o nome do Senhor. Como venceriam os mártires, se neles não vencesse aquele que disse: Alegrai-vos porque eu venci o mundo? (Jo 16,33). O soberano dos céus governava-lhes a mente e a língua e, através deles, derrotava o diabo na terra e coroava os mártires no céu. Felizes os que assim beberam deste cálice: terminaram as dores, receberam as honras!

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

A glória e a exaltação de Cristo é a cruz

Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo

(Oratio 10 in Exaltatione sanctae crucis: PG97,1018-1019) (Séc.VIII)

A glória e a exaltação de Cristo é a cruz

Celebramos a festa da cruz; por ela as trevas são repelidas e volta a luz. Celebramos a festa da cruz e junto com o Crucificado somos levados para o alto para que, abandonando a terra com o pecado, obtenhamos os céus. A posse da cruz é tão grande e de tão imenso valor que seu possuidor possui um tesouro. Chamo com razão tesouro aquilo que há de mais belo entre todos os bens pelo conteúdo e pela fama. Nele, por ele e para ele reside toda a nossa salvação, e é restituída ao seu estado original.

Se não houvesse a cruz, Cristo não seria crucificado. Se não houvesse a cruz, a vida não seria pregada ao lenho com cravos. Se a vida não tivesse sido cravada, não brotariam do lado as fontes da imortalidade, o sangue e a água, que lavam o mundo. Não teria sido rasgado o documento do pecado, não teríamos sido declarados livres, não teríamos provado da árvore da vida, não se teria aberto o paraíso. Se não houvesse a cruz, a morte não teria sido vencida e não teria sido derrotado o inferno.

É, portanto, grande e preciosa a cruz. Grande sim, porque por ela grandes bens se tornaram realidade; e tanto maiores quanto, pelos milagres e sofrimentos de Cristo, mais excelentes quinhões serão distribuídos. Preciosa também porque a cruz é paixão e vitória de Deus: paixão, pela morte voluntária nesta mesma paixão; e vitória porque o diabo é ferido e com ele a morte é vencida. Assim, arrebentadas as prisões dos infernos, a cruz também se tornou a comum salvação de todo o mundo.

É chamada ainda de glória de Cristo, e dita a exaltação de Cristo. Vemo-la como o cálice desejável e o termo dos sofrimentos que Cristo suportou por nós. Que a cruz seja a glória de Cristo, escuta-o a dizer: Agora, o Filho do homem é glorificado e nele Deus é glorificado e logo o glorificará (Jo 13,31-32). E de novo: Glorifica-me tu, Pai, com a glória que tinha junto de ti antes que o mundo existisse (Jo 17,5). E repete: Pai, glorifica teu nome. Desceu então do céu uma voz: Glorifiquei-o e tornarei a glorificar (Jo 12,28), indicando aquela glória que então alcançou na cruz.

Que ainda a cruz seja a exaltação de Cristo, escuta o que ele próprio diz: Quando eu for exaltado, atrairei então todos a mim (cf. Jo 12,32). Bem vês que a cruz é a glória e a exaltação de Cristo.



terça-feira, 13 de setembro de 2022

Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro

Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo
(Ante exsilium, nn. 1-3: PG 52,427*-430)
(Séc. IV)

Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro

Sobrevêm muitas ondas e fortes tempestades, mas não tememos afogar, pois estamos firmados sobre a pedra. Enfureça-se o mar, não tem forças para destruir a pedra. Ergam-se as vagas, não podem submergir o navio de Cristo. Pergunto eu: que temeremos? A morte? Para mim, viver é Cristo, e morrer é lucro (Fl 1,21). O exílio talvez, dizes-me? Do Senhor é a terra e tudo quanto contém (Sl 23,1). A confiscação dos bens? Nada trouxemos para o mundo e, é certo, nada daqui poderemos levar (1Tm 6,7); os pavores deste mundo são desprezíveis, e seus bens, merecedores de riso. Não tenho medo da pobreza, não ambiciono riquezas; não temo a morte, nem prefiro viver a não ser para vosso proveito. Por isto recordo os acontecimentos atuais e rogo à vossa caridade que tenhais confiança.

Não escutas o Senhor dizer: Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, estarei ali no meio deles? (Mt 18,20). E onde há tanta gente ligada pelos laços da caridade, não estará ele presente? Tenho seu penhor. Será que confio em minhas próprias forças? Seguro seu testamento. Este é o meu bordão, a minha segurança, o meu porto tranquilo. Abale-se embora o universo, tenho sua resposta, leio os seus escritos: aí está a muralha para mim, a fortaleza. Que escritos? Eu estou convosco todos os dias até a consumação do mundo (Mt 28,20).

Cristo está comigo, a quem temerei? Mesmo que as ondas, os mares, o furor dos príncipes se agitem contra mim, tudo isto não me impressiona mais do que uma aranha. E se vossa caridade não me retivesse, não recusaria partir ainda hoje mesmo para outro lugar. Repito sempre: Senhor, faça-se a tua vontade (Mt 26,42); não o que quer este ou aquele, mas o que tu queres. Esta é a minha torre, minha pedra imóvel; este, o meu báculo firme. Se Deus quer isto, faça-se. Se quiser que permaneça aqui, agradecerei. Onde quer que me queira, darei graças.

E onde estou eu, aí estais vós; onde estais, aí eu também: somos um só corpo e não se separa o corpo da cabeça nem a cabeça do corpo. Estamos em lugares distantes, mas unidos na caridade, que nem a morte poderá separar. Porque, embora morra meu corpo, viverá a alma que se lembrará do povo.

Vós sois meus cidadãos, vós, meus pais, vós, meus irmãos, vós, filhos, vós, membros, vós, corpo. Para mim sois a luz, ou melhor, mais deliciosos que esta luz. O que poderá enviar-me um raio igual à vossa caridade? O raio de sol para mim é vida, porém vossa caridade tece-me a coroa para o futuro.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Em todos os momentos, pensa em Maria e invoca Maria

Das Homilias de São bernardo, abade, em louvor da Virgem Mãe
(tradução não oficial)

(Hom. 2, 17, 1-33: SC 390, 1993, 168-170) (Séc. XII)

Em todos os momentos, pensa em Maria e invoca Maria

O nome da Virgem era Maria, diz o Evangelista. Falemos um pouco a propósito deste nome, que por alguns significa “estrela do mar” e se adapta perfeitamente à Virgem Mãe. De facto ela é comparada muito apropriadamente a uma estrela. Assim como o astro emite os seus raios de luz sem corromper-se, também a Virgem deu à luz o seu Filho sem sofrer dano algum. Nem o raio luminoso diminuiu a claridade da estrela, nem o Filho alterou a integridade da Virgem. Ela é a nobre estrela nascida de Jacob, cuja irradiação ilumina todo o universo, cujo esplendor brilha nos céus e penetra nos abismos, resplandece na terra e aquece as almas mais que os corpos, fomenta as virtudes e queima os vícios. Ela é a estrela brilhante e magnífica que nada impede de se elevar sobre este mar vasto e imenso, refulgente nos seus méritos e iluminando pelos seus exemplos.
   Tu que te vês, nas flutuações deste mundo, agitado no meio das procelas e das tempestades em vez de caminhar sobre terra firme, não afastes os olhos do brilho desta estrela, se não queres naufragar nas tormentas. Se se levantam os ventos das ten- tações, se te precipitas nos escolhos das tribulações, olha para a estrela, invoca Maria. Se és sacudido pelas vagas do orgulho ou da ambição ou da maledicência ou da inveja, olha para a estrela, invoca Maria. Se a ira ou a avareza ou os atractivos da carne sacodem a barqueta da tua mente, olha para Maria. Se, perturbado pela enormidade dos teus pecados, confundido pela imundície da tua consciência, aterrado pelo horror do julgamento, começas a ser absorvido pelo abismo da tristeza, pelo precipício do desespero, pensa em Maria.
   Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria. Não esteja o seu nome ausente da tua boca, não esteja ausente do teu coração. E para obter o socorro das suas orações, não te separes do exemplo da sua vida. Se a segues, não te extraviarás; se a invocas, não desesperarás; se pensas nela, não errarás. Sob a sua protecção, não terás medo; sob a sua direcção, não te cansarás; sob o seu amparo, alcançarás a meta. E assim experimentarás em ti mesmo como é verdadeira esta palavra: E o nome da Virgem era Maria.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Bem aventurados vós!



Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 6,20-26

Naquele tempo, 20 Jesus levantando os olhos para os seus discípulos, disse: 

"Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus!

21 Bem-aventurados, vós que agora tendes fome, porque sereis saciados!

Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir!

22 Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome,  por causa do Filho do Homem!

23 Alegrai-vos, nesse dia, e exultai pois será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas.

24 Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação!

25 Ai de vós, que agora tendes fartura, porque passareis fome! 

Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas!

26 Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas".

Palavra da Salvação.


Meditação.

O evangelho está dividido em duas partes. A primeira, as bem aventuranças. A segunda, o que se convencionou de chamar o discurso dos "ais".

Ao proferir os "ais", Jesus começa se dirigindo aos ricos. Lembremos que a riqueza era sinal de prosperidade, de bênção, para o povo hebreu. E e pobreza, sinal de maldição.

Jesus inverte essa lógica. Ao dizer que os ricos já tem sua consolação, ele deixa um sinal de esperança para os pobres. Toca o coração desses. A riqueza não é um valor em si mesmo.

Ele dirige sua atenção para os que tem fartura. Aqueles que tem muita comida, muitas posses. A fartura era considerada outro sinal de bênção de Deus. O ter em excesso fez com que o rico, da parábola do Pobre Lázaro, não fosse para o céu.

Aos que riem, estes chorarão. Aqui devemos ter cuidado. Rir é um santo remédio. Mas ele se dirige àqueles que achando possuir bens, e que tem práticas religiosas vazias de sentido, que desprezam a dor dos outros, acham que estão num estado de alegria. Os que sufocam a vida dos mais pobres, esses chorarão, como chorou o faraó.

E por último, como dizia o poeta Augusto dos Anjos, "a mão que te afaga, é a mesma que te apedreja". A boca que te elogia, é a mesma que poderá falar mal de ti quando sua profecia não agradar. Quando sua pregação foi contrária aos interesses daqueles que detém o poder, o elogio se transforma em perseguição.

O antidoto contra isso são as bem aventurança que abrem a leitura de hoje. 

Rico é aquele que abre mãos de sua riqueza em favor dos pobres, e por isso, os dois hão de chegar ao Reino de Deus.

Os que tem fome, e sede, serão saciados. E nós devemos ser instrumentos desse novo jeito de ser. Alimentar os que tem fome, e saciar os que tem sede. Aos que tem fartura, devem entender que no Reino de Deus não há famintos, nem sedentos.

Aqueles que choram pelas dores pelas quais estão passando, podem ter a certeza de que isso se mudará em vida. Lembremos o que disse Deus a Moisés quando o chamou para libertar o seu povo, "eu vi muito bem a miséria do meu povo (...). Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo". (Ex 3,7-8).

Quem vive esse novo jeito de ser proposto por Jesus nas bem aventuranças, há de ser perseguido. Deus está meio de nós, e conhece nossas necessidades, e conta conosco para divulgar essa libertação. Por isso, todo aquele que vive essa missão é perseguido. E quando isso acontece, sabemos que estamos no caminho certo. São Oscar Romero disse: "em um país de injustiças, se a Igreja não é perseguida é porque é conivente com a injustiça". 

Ao fazermos a lectio divina de hoje, sejamos mulheres e homens construtores de um mundo novo, onde o amor é mais do que o ódio. A vida é mais do que a morte. A paz é mais do que a guerra e os conflitos. Um cristão autêntico sempre será perseguido.