sábado, 30 de abril de 2022

A Igreja foi fundada sobre a Pedra que foi objeto da profissão de Pedro


Dos Tratados sobre o Evangelho de João, de Santo Agostinho, bispo 
(Tract. 124,5: CCL 36,684-685)
(Séc. V)

A Igreja foi fundada sobre a Pedra
que foi objeto da profissão de Pedro

Deus não cessa de oferecer consolações ao pobre gênero humano. Mas, além delas, quando chegou a plenitude dos tempos, isto é, o momento de realizar o que determinara, enviou seu Filho unigênito, por meio do qual criou todas as coisas. Sem deixar de ser Deus, ele se fez homem e se tornou mediador entre Deus e os homens: o homem Jesus Cristo (1Tm 2,5).
Os que acreditassem nele e se purificassem de seus pecados pelo batismo, ficariam livres da condenação eterna. Viveriam na fé, na esperança e na caridade, atravessando como peregrinos este mundo cheio de tentações difíceis e perigosas. Mas ajudados pelas consolações de Deus, espirituais e materiais, chegariam à sua presença seguindo Cristo que para eles se fez caminho.
Todavia, como nem mesmo os que seguem este caminho estão isentos de pecado – conseqüência da fragilidade humana – deu-lhes o remédio salutar das esmolas, para garantir a eficácia das suas orações, como ele próprio nos ensinou a dizer: Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores (Mt 6,12).
Assim procede a Igreja, feliz na sua esperança, enquanto vive entre as misérias desta vida; é a obra da Igreja universal que o apóstolo Pedro representava figurativamente pela primazia do seu apostolado.
Consideradas as suas propriedades naturais, era por natureza um homem, por graça um cristão; por graça mais abundante, um apóstolo, o primeiro dos apóstolos. Mas Cristo disse a Pedro: Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus (Mt 16,19). Em virtude destas palavras, Pedro passou a representar a Igreja universal, que neste mundo é sacudida por toda espécie de provações, como se fossem chuvas torrenciais, raios e tempestades que se lançam contra ela. Contudo, não desaba, porque está alicerçada sobre a pedra, de onde Pedro recebeu o nome.
O Senhor diz: Sobre esta pedra construirei a minha Igreja (Mt 16,18). Era a resposta a Pedro que afirmara: Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo (Mt 16,16). Jesus quer significar o seguinte: sobre esta pedra, que foi objeto da tua profissão de fé, eu construirei a minha Igreja. Aquela pedra era Cristo (cf. 1Cor 10,4). Sobre este alicerce também Pedro foi edificado. De fato, ninguém pode colocar outro alicerce diferente do que está aí, já colocado: Jesus Cristo (1Cor 3,11).
Portanto, a Igreja, que tem Cristo por alicerce, dele recebeu, na pessoa de Pedro, as chaves do Reino dos Céus, quer dizer, o poder de ligar e desligar os pecados. Esta Igreja é livre de todos os males, porque ama e segue a Cristo. Mas segue a Cristo mais de perto na pessoa daqueles que lutam pela verdade até à morte.

domingo, 24 de abril de 2022

Nova criatura em Cristo.


Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo

(Sermo 8, in octava Paschae 1. 4: PL46, 838. 841)
(Séc.V)

Nova criatura em Cristo

Minha palavra se dirige a vós, filhos recém-nascidos, pequeninos em Cristo, nova prole da Igreja, graça do Pai, fecundidade da Mãe, germe santo, multidão renovada, flor de nossa honra e fruto do nosso trabalho, minha alegria e coroa, todos vós que permaneceis firmes no Senhor. É com palavras do Apóstolo que vos falo: Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não deis atenção à carne para satisfazer as suas paixões (Rm 13,14), a fim de que, também na vida, vos revistais daquele que revestistes no sacramento. Todos vós que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. O que vale não é mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só, em Jesus Cristo (Gl 3,27-28).

Nisto reside a força do sacramento: é o sacramento da vida nova que começa no tempo presente pela remissão de todos os pecados passados, e atingirá sua plenitude na ressurreição dos mortos. Pelo batismo na sua morte, fostes sepultados com Cristo, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos, assim também leveis uma vida nova (cf. Rm 6,4). Agora caminhais pela fé, vivendo neste corpo mortal como peregrinos longe do Senhor.
Mas o vosso caminho seguro é aquele mesmo para quem vos dirigis, Jesus Cristo, que se fez homem por amor de nós. Para os seus fiéis ele preparou um grande tesouro de felicidade, que há de revelar e dar abundantemente a todos os que nele esperam, quando recebermos na realidade aquilo que recebemos agora só na esperança.

Hoje é o oitavo dia do vosso nascimento. Hoje completa-se em vós o sinal da fé que, entre os antigos patriarcas, consistia na circuncisão do corpo no oitavo dia depois do nascimento segundo a carne. Por isso, o próprio Senhor, despojando-se por sua ressurreição da mortalidade da carne e revestindo-se de um corpo não diferente mas imortal, ao ressuscitar consagrou o “dia do Senhor”, que é o terceiro dia depois de sua paixão, mas na contagem semanal dos dias, é o oitavo a partir do sábado, e coincide com o primeiro dia da semana.

Por conseguinte, também vós participais do mesmo mistério, não ainda na realidade perfeita mas na certeza da esperança,porque recebestes a garantia do Espírito. Com efeito, se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória (Gl 3,1-4).

sábado, 23 de abril de 2022

Recomendações aos presbíteros e aos fiéis.


Da Primeira Carta de São Pedro 4,12-5,14

Recomendações aos presbíteros e aos fiéis
4,12Caríssimos, não estranheis o fogo da provação que alastra entre vós, como se alguma coisa de estranho vos estivesse acontecendo. 13Alegrai-vos por participar dos sofrimentos de Cristo, para que possais também exultar de alegria na revelação da sua glória. 14Se sofreis injúrias por causa do nome de Cristo, sois felizes, pois o Espírito da glória, o Espírito de Deus repousa sobre vós. 15Mas nenhum de vós queira sofrer como assassino, ladrão ou malfeitor, ou por intrometer-se na vida dos outros. 16Se, porém, alguém sofrer como cristão, não se envergonhe. Antes, glorifique a Deus por este nome.

17Porque chegou o tempo do julgamento, que deve começar pela família de Deus. Ora, se ele começa por nós, qual será o fim dos que se recusam a obedecer ao evangelho de Deus? 18Se mal consegue salvar-se o justo, o que será do ímpio e do pecador? 19Assim, pois, os que sofrem segundo a vontade de Deus entreguem suas vidas ao Criador, que é fiel, e dediquem-se à prática do bem.

5,1Exorto aos presbíteros que estão entre vós, eu, presbítero como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que será revelada: 2Sede pastores do rebanho de Deus, confiado a vós; cuidai dele, não por coação, mas de coração generoso; não por torpe ganância, mas livremente; 3não como dominadores daqueles que vos foram confiados, mas antes, como modelos do rebanho. 4Assim, quando aparecer o pastor supremo, recebereis a coroa permanente da glória.

5Igualmente vós, jovens, sede submissos aos mais velhos. Revesti-vos todos de humildade no relacionamento mútuo, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes. 6Rebaixai-vos, pois, humildemente, sob a poderosa mão de Deus, para que, na hora oportuna, ele vos exalte. 7Lançai sobre ele toda a vossa preocupação, pois é ele quem cuida de vós. 8Sede sóbrios e vigilantes. O vosso adversário, o diabo, rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar. 9Resisti-lhe, firmes na fé, certos de que iguais sofrimentos atingem também os vossos irmãos pelo mundo afora. 10Depois de terdes sofrido um pouco, o Deus de toda a graça, que vos chamou para a sua glória eterna, em Cristo, vos restabelecerá e vos tornará firmes, fortes e seguros. 11A ele pertence o poder, pelos séculos dos séculos. Amém.

12Por meio de Silvano, que considero um irmão fiel junto de vós, envio-vos esta breve carta, para vos exortar e para atestar que esta é a verdadeira graça de Deus, na qual estais firmes. 13A Igreja que está em Babilônia, eleita como vós, vos saúda, como também, Marcos, o meu filho. 14Saudai-vos uns aos outros com o abraço do amor fraterno. A paz esteja com todos vós que estais em Cristo.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

O Batismo, sinal da paixão de Cristo.


Das Catequeses de Jerusalém

(Cat. 20, Mystagogica 2,4-6: PG 33,1079-1082)
(Séc.IV)

O Batismo, sinal da paixão de Cristo

Fostes conduzidos à santa fonte do divino Batismo, como Cristo, descido da cruz, foi colocado diante do sepulcro. A cada um de vós foi perguntado se acreditava no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Vós professastes a fé da salvação e fostes por três vezes mergulhados na água e por três vezes dela saístes; deste modo, significastes, em imagem e símbolo, os três dias da sepultura de Cristo.

Assim como nosso Senhor passou três dias e três noites no seio da terra, também vós, na primeira emersão, imitastes o primeiro dia em que Cristo esteve debaixo da terra; e na imersão, a primeira noite. De fato, como aquele que vive nas trevas não enxerga nada, pelo contrário, aquele que anda de dia está envolvido em plena luz. Assim também vós, na imersão, como que mergulhados na noite, nada vistes; mas na emersão, fostes como que restituídos ao dia. Num mesmo instante, morrestes e nascestes, e aquela água de salvação tornou-se para vós, ao mesmo tempo, sepulcro e mãe.

Apesar de situar-se em outro contexto, a vós se aplica perfeitamente o que disse Salomão: Há um tempo para nascer e um tempo para morrer (Ecl 3,2). Convosco sucedeu o contrário: houve um tempo para morrer e um tempo para nascer. Num mesmo instante realizaram-se ambas as coisas e, com a vossa morte, coincidiu o vosso nascimento. Ó fato novo e inaudito! Na realidade, não morremos nem fomos sepultados nem crucificados nem ainda ressuscitamos. No entanto, a imitação desses atos foi expressa através de uma imagem e daí brotou realmente a nossa salvação.

Cristo foi verdadeiramente crucificado, verdadeiramente sepultado e ressuscitou verdadeiramente. Tudo isto foi para nós um dom da graça, a fim de que, participando da sua paixão através do mistério sacramental, obtenhamos na realidade a salvação. Ó maravilha de amor pelos homens! Em seus pés e mãos inocentes, Cristo recebeu os cravos e suportou a dor; e eu, sem dor nem esforço, mas apenas pela comunhão em suas dores, recebo gratuitamente a salvação.

Ninguém, portanto, julgue que o batismo consista apenas na remissão dos pecados e na graça da adoção filial. Assim era o batismo de João que concedia tão-somente o perdão dos pecados. Pelo contrário, sabemos perfeitamente que o nosso batismo não só apaga os pecados e confere o dom do Espírito Santo, mas é também o exemplar e a expressão dos sofrimentos de Cristo. É por isso mesmo que Paulo exclama: Será que ignorais que todos nós, batizados em Jesus Cristo, é na sua morte que fomos batizados? Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com ele (Rm 6,3-4).