quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Anunciamos Cristo crucificado


Das Cartas de São Paulo da Cruz, presbítero

(Epist. 1,43; 2,440.825)
(Séc. XVIII)

Anunciamos Cristo crucificado

Coisa excelente e muito santa é pensar e meditar sobre a Paixão do Senhor, pois por este caminho chegamos à união com Deus. Nesta escola tão santa aprende-se a verdadeira sabedoria. Foi aí que todos os santos a estudaram. Quando, pois, a cruz de nosso bom Jesus lançar raízes mais profundas em vosso coração, então cantareis: seja “Sofrer e não morrer”; seja “Ou sofrer ou morrer”, seja, ainda melhor, “Nem sofrer nem morrer, apenas a perfeita conversão à vontade de Deus”.
O amor é força de união e faz seus os tormentos do Bem muito amado. Este fogo vai até à medula, converte o que ama no amado. De modo mais profundo, o amor se mistura à dor, e a dor, ao amor. Há, então, uma mistura de amor e de dor tão estreita que não se pode separar o amor da dor, nem a dor, do amor. Por isto, quem ama se alegra com sua dor, e exulta em seu amor sofredor.
Sede, portanto, constantes na prática de todas as virtudes, imitando, de modo particular, o suave Jesus padecente, porque é isto o cume do puro amor. Procedei de modo que todos reconheçam que trazeis não só interior, mas ainda exteriormente, a imagem de Cristo crucificado, modelo de toda doçura e mansidão. Quem está interiormente unido ao Filho do Deus vivo, revela no exterior sua imagem pelo contínuo exercício da virtude heróica, principalmente pela paciência cheia de força que nem em segredo nem em público se queixa. Portanto, escondei-vos em Jesus crucificado, sem desejar coisa alguma a não ser que todos em tudo aceitem sua vontade.
Verdadeiros amigos do Crucificado, celebrareis sempre no templo interior a festa da cruz, suportando em silêncio, sem vos apoiar em criatura alguma. Uma festa deve ser celebrada na alegria; por isso os que amam o Crucificado irão à festa da cruz com rosto jovial e sereno, suportando calados, de forma que permaneça oculta aos homens, só conhecida pelo sumo Bem. Numa festa há sempre banquete; as iguarias são a vontade divina, a exemplo de nosso Amor crucificado.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

O Senhor acompanha seus pregadores


Das Homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, papa

(Hom. 17,1-3: PL 76,1139)
(Séc. VI)

O Senhor acompanha seus pregadores

Nosso Senhor e Salvador, caríssimos irmãos, ora por palavras, ora por fatos nos adverte. Com efeito, até mesmo suas ações são preceitos, porque, ao fazer alguma coisa em silêncio, dá-nos a conhecer aquilo que devemos realizar. Eis que envia dois a dois seus discípulos a pregar, já que são dois os preceitos da caridade, o amor de Deus e do próximo. O Senhor envia a pregar os discípulos dois a dois, indicando-nos com isso, sem palavras, que quem não tem caridade para com o próximo de modo algum deverá receber o ofício da pregação.

Muito bem se diz que os enviou diante de sua face a toda cidade e local aonde ele iria (Lc 10,1). O Senhor vai atrás de seus pregadores, porque a pregação vai à frente e depois chega o Senhor à morada de nosso espírito, quando as palavras de exortação o precedem e, por elas, o espírito acolhe a verdade. Por este motivo Isaías fala a esses pregadores: Preparai o caminho do Senhor, aplanai as veredas de nosso Deus (Is 40,3). E o Salmista: Abri caminho para aquele que sobe do ocaso (Sl 67,5 Vulg.). Sobe do ocaso o Senhor porque onde morreu na paixão, ali mesmo, ao ressurgir, manifestou sua maior glória. Sobe do ocaso, porque a morte que aceitou, ressurgindo, calcou-a aos pés. Portanto abrimos caminho ao que sobe do ocaso, quando nós vos pregamos sua glória para que, vindo ele próprio depois, vos ilumine com a presença de seu amor. Ouçamos o que ele diz quando envia pregadores: A messe é grande, são poucos os operários. Rogai, pois, ao Senhor da messe que envie operários a seu campo (Mt 9,37-38). Para grande messe, poucos operários, coisa que não sem imensa tristeza podemos repetir; pois embora haja quem escute as palavras boas, falta quem as diga. Eis que o mundo está cheio de sacerdotes, todavia, raramente se vê um operário na messe de Deus; porque aceitamos, sim, o ofício sacerdotal, mas não cumprimos o dever do ofício.

Mas pensai, irmãos caríssimos, pensai no que foi dito: Rogai ao Senhor da messe que envie operários a seu campo. Pedi vós por nós, para que possamos fazer coisas dignas de vós; que a língua não se entorpeça por não querer exortar; tendo recebido o encargo de pregar, não vá nosso silêncio condenar-nos diante do justo Juiz.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Sou trigo de Deus e serei moído pelos dentes das feras


Da Carta aos romanos, de Santo Inácio, bispo e mártir

(Cap. 4,1-2; 6,1-8,3: Funk 1,217-223)
(Séc. I)

Sou trigo de Deus e serei moído pelos dentes das feras

Tenho escrito a todas as Igrejas e a todas elas faço saber que morro por Deus com alegria, desde que vós não me impeçais. Suplico-vos: não demonstreis por mim uma benevolência inoportuna. Deixai-me ser alimento das feras; por elas pode-se alcançar a Deus. Sou trigo de Deus, serei triturado pelos dentes das feras para tornar-me o puro pão de Cristo. Rogai a Cristo por mim, para que por este meio me torne sacrifício para Deus.

Nem as delícias do mundo nem os reinos terrestres são vantagens para mim. Mais me aproveita morrer em Cristo Jesus do que imperar até os confins da terra. Procuro-o, a ele que morreu por nós; quero-o, a ele que por nossa causa ressuscitou. Meu nascimento está iminente. Perdoai-me, irmãos! Não me impeçais de viver, não desejeis que eu morra, eu, que tanto desejo ser de Deus. Não me entregueis ao mundo nem me fascineis com o que é material. Deixai-me contemplar a luz pura; quando lá chegar, serei homem. Concedei-me ser imitador da paixão de meu Deus. Se alguém o possui no coração, entenderá o que quero e terá compaixão de mim, sabendo quais os meus impedimentos.

O príncipe deste mundo deseja arrebatar-me e corromper meu amor para com Deus. Nenhum de vós, aí presentes, o ajude! Ponde-vos de meu lado, ou melhor, do lado de Deus. Não podeis dizer o nome de Jesus Cristo, enquanto cobiçais o mundo. Que a inveja não more em vós! Mesmo que eu em pessoa vos rogue, não me acrediteis; crede antes no que vos escrevo, desejando morrer. Meu amor está crucificado, a matéria não me inflama, porque uma água viva e murmurante dentro de mim me diz em segredo: “Vem para o Pai”. Não sinto prazer com o alimento corruptível nem com os prazeres deste mundo. Quero o pão de Deus, a carne de Jesus Cristo, que nasceu da linhagem de Davi; e quero a bebida, o seu sangue, que é a caridade incorruptível.

Não quero mais viver segundo os homens. Isto acontecerá se vós quiserdes. Rogo-vos que o queirais para alcançardes também vós a misericórdia. Com poucas palavras dirijo-me a vós; acreditai em mim! Jesus Cristo vos manifestará que digo a verdade; ele, a boca verdadeira pela qual o Pai verdadeiramente falou. Pedi vós por mim, para que o consiga. Não por motivos carnais, mas segundo a vontade de Deus vos escrevi. Se for martirizado, vós me quisestes bem; se rejeitado, vós me odiastes.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Eis que eu salvarei meu povo


Dos Tratados sobre João, de Santo Agostinho, bispo
(Tract. 26,4-6: CCL 36,261-263)
(Séc. V)

Eis que eu salvarei meu povo

Ninguém vem a mim a não ser que o Pai o atraia (Jo 6,44). Não penses ser atraído contra a vontade. A alma humana é atraída também pelo amor. Nem devemos temer que os homens que pesam as palavras e que estão muito longe da compreensão das coisas divinas nos venham talvez censurar por causa desta palavra evangélica da Escritura, e nos dizer: "Como é que creio por livre vontade, se sou atraído? Respondo eu: "Por livre vontade é pouco; és atraído também pelo prazer".
Que significa ser atraído pelo prazer? Busca tuas delícias no Senhor e ele atenderá aos pedidos de teu coração (Sl 36,4). Há um gozo do coração, seu pão delicioso é o celeste. Contudo se foi possível ao poeta dizer: "Cada um se deixa atrair por seu prazer , não pelo constrangimento, mas pelo prazer, não por obrigação, mas pelo deleite, com quanto mais força temos de dizer que o homem é atraído para Cristo. O homem que se deleita com a verdade, se deleita com a felicidade, se deleita com a justiça, se deleita com a vida sempiterna, com tudo isso que é Cristo.
Se têm os sentidos do corpo sua satisfação, estará o espírito privado de suas alegrias? Se o espírito não conhece delícias, como se disse então: Os filhos dos homens abrigam-se à sombra de tuas asas, inebriam-se com as riquezas de tua casa e tu lhes darás de beber da torrente de tuas delícias, porque em ti está a fonte da vida e à tua luz veremos a luz? (Sl 35,8-10)
Apresenta-me alguém que ame e entenderá o que falo. Mostra um desejoso, um faminto, um sedento peregrino deste deserto que suspira pela fonte da pátria eterna, mostra alguém assim e saberá de que falo. Se, porém, falo a um indiferente, não compreenderá o que digo.
Estendes um ramo verde a uma ovelha e a atrais. Mostram-se nozes a um menino, e é atraído. E corre para onde é atraído, amando, é atraído, é atraído sem violência corporal, é atraído pelo laço do coração. Se, entre as delícias e prazeres terrenos, aqueles que se apresentam aos seus apaixonados exercem forte atração sobre eles, pois é bem verdade que "cada um se deixa atrair por seu prazer , não atrairá o Cristo revelado pelo Pai? Que deseja a alma com mais veemência do que a verdade? Por isso, deve-se ter uma boca faminta. Para que deseja ele ter um paladar espiritual são, senão para discernir as coisas verdadeiras, para comer e beber a sabedoria, a justiça, a verdade, a eternidade?
Diz o Senhor: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, cá na terra, porque serão saciados (Mt 5,6), lá no céu. Eu lhe entregarei o que ama, entregarei o que espera. Verá aquilo em que acreditou ainda sem ver. Comerá aquilo de que tem fome, será saciado por aquilo de que tem sede. Quando? Na ressurreição dos mortos porque eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6,54).

terça-feira, 11 de outubro de 2022

A Igreja é mãe amabilíssima de todos os homens


Das alocuções de São João XXIII, papa
(Abertura solene do Concílio Ecuménico Vaticano II, 11 de Outubro de 1962: AAS 54 [1962], 786-787. 792-793) 
(Séc. XX)

A Igreja é mãe amabilíssima de todos os homens 

Alegra-se a Santa Mãe Igreja, porque, por singular dom da Divina Providência, amanheceu finalmente o dia tão esperado, em que se inaugura o Concílio Ecumênico Vaticano II, aqui, junto do túmulo de São Pedro, sob a proteção da Santíssima Virgem, de quem celebramos hoje com alegria a dignidade de Mãe de Deus.
Depois de quase vinte séculos, as situações e os problemas gravíssimos que a humanidade deve enfrentar não mudam. Na realidade, Cristo ocupa sempre o posto central da história e da vida: os homens ou aderem a Ele e à sua Igreja – e então gozam da luz, da bondade, da ordem justa e do benefício da paz – , ou vivem sem Ele e contra Ele, e permanecem deliberadamente fora da Igreja – e por isso se estabelece a confusão entre eles, as relações mútuas tornam-se difíceis, ameaça o perigo de guerras sangrentas.    
Ao iniciar-se o Concílio Ecumênico Vaticano II, é evidente como nunca que a verdade do Senhor permanece eternamente (Salmo 118 (119), 89). De fato, vemos como de uma época para outra as incertas opiniões dos homens se contradizem mutuamente e muitas vezes os erros se dissipam logo ao nascer como a névoa ao raiar o sol.
Sempre a Igreja se opôs a estes erros, muitas vezes até os condenou com severidade. Nos nossos dias, porém, a Esposa de Cristo prefere usar a medicina da misericórdia, em vez de recorrer às armas do rigor; ela pensa que é melhor ir ao encontro das necessidades actuais mostrando a validez da sua doutrina do que recorrendo às condenações. Não é porque faltem doutrinas falsas, opiniões e ideias perigosas, contra as quais nos devemos precaver e opor, mas porque todas estas coisas estão tão abertamente em contradição com os retos princípios da honestidade e produziram frutos tão perniciosos que hoje os homens parecem espontaneamente inclinados a reprová-las, sobretudo aquelas formas de viver que ignoram a Deus e a sua lei, a confiança excessiva nos progressos da técnica e o bem-estar fundado exclusivamente na comodidade da vida. Estão sempre cada vez mais conscientes de que a dignidade humana e o seu conveniente aperfeiçoamento é uma questão de suma importância e muito difícil de realizar. O que mais importa é terem aprendido com a experiência que a violência causada aos outros, o poder das armas e o predomínio político não contribuem para a feliz solução dos gravíssimos problemas que os atormentam.
Neste estado de coisas, a Igreja Católica, elevando por meio deste Concílio Ecuménico o farol da verdade religiosa, quer manifestar-se como mãe amável de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e de bondade para com os filhos dela separados. Ao género humano oprimido por tantas dificuldades ela diz como Pedro ao pobre que lhe pedia esmola: “Não tenho ouro nem prata, mas dou-te o que tenho. Em nome de Jesus Nazareno, levanta-te e anda” (At 3, 6).
Quer dizer, a Igreja não oferece riquezas caducas aos homens de hoje, nem lhes promete uma felicidade só terrena, mas torna-os participantes da graça divina, que, elevando-os à dignidade de filhos de Deus, se converte numa poderosa defesa e ajuda para uma vida mais humana; abre a fonte da sua doutrina vivificadora que permite aos homens, iluminados pela luz de Cristo, compreender bem aquilo que são realmente, a sua excelsa dignidade, a meta a que devem tender. Além disso, por meio dos seus filhos, estende por toda a parte a plenitude da caridade cristã, que, mais que nenhuma outra coisa contribui para erradicar a discórdia, nada havendo mais eficaz para fomentar a concórdia, a paz justa e a união fraterna de todos.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

É preciso meditar sobre os mistérios da salvação


Dos Sermões de São Bernardo, abade
(Sermo de Aquaeductu: Opera omnia, Edit. Cisterc. 5[1968],282-283)
(Séc. XII)

É preciso meditar sobre os mistérios da salvação

O santo, que nascer de ti, será chamado Filho de Deus (cf. Lc 1,35), fonte de sabedoria, o Verbo do Pai nas alturas! Este Verbo, através de ti, Virgem santa, se fará carne, de modo que aquele que diz: Eu no Pai e o Pai em mim (Jo 10,38), dirá também: Eu saí do Pai e vim (Jo 16,28).

No princípio, diz João, era o Verbo. Já borbulha a fonte, mas por enquanto apenas em si mesma. Depois, e o Verbo era com Deus (Jo 1,1), habitando na luz inacessível. O Senhor dizia anteriormente: Eu tenho pensamentos de paz e não de aflição (cf. Jr 29,11). Mas teu pensamento está dentro de ti, ó Deus, e não sabemos o que pensas; pois quem conheceu a mente do Senhor ou quem foi seu conselheiro? (cf. Rm 11,34).

Desceu, por isto, o pensamento da paz para a obra da paz: O Verbo se fez carne e já habita em nós (Jo 1,14). Habita totalmente pela fé em nossos corações, habita em nossa memória, habita no pensamento e chega a descer até a imaginação. Que poderia antes o homem pensar sobre Deus, a não ser talvez fabricando um ídolo no coração? Era incompreensível e inacessível, invisível e inteiramente impensável; agora, porém, quis ser compreendido, quis ser visto, quis ser pensado.

De que modo, perguntas? Por certo, reclinado no presépio, deitado ao colo da Virgem, pregando no monte, pernoitando em oração; ou pendente da cruz, pálido na morte, livre entre os mortos e dominando o inferno; ou ainda ressurgindo ao terceiro dia, mostrando aos apóstolos as marcas dos cravos, sinais da vitória, e, por último, diante deles subindo ao mais alto do céu.

O que não se poderá pensar verdadeira, piedosa e santamente disto tudo? Se penso algo destas realidades, penso em Deus e em tudo ele é o meu Deus. Meditar assim, considero sabedoria, e tenho por prudência renovar a lembrança da suavidade que, em essência tão preciosa, a descendência sacerdotal produziu copiosamente, e que, haurindo do alto, Maria trouxe para nós em profusão.
Responsório Lc 1,28

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

São Benedito


Hoje é um dia muito especial para o povo brasileiro. Comemora-se o dia de são Benedito, um dos santos mais queridos e cuja devoção é muito popular no Brasil. Cultuado inicialmente pelos escravos negros, por causa da cor de sua pele e de sua origem - era africano e negro -, passou a ser amado por toda a população como exemplo da humildade e da pobreza. Esse fato também lhe valeu o apelido que tinha em vida, "o Mouro". Tal adjetivo, em italiano, é usado para todas as pessoas de pele escura e não apenas para os procedentes do Oriente. Já entre nós ele é chamado de são Benedito, o Negro, ou apenas "o santo Negro".

Há tanta identificação com a cristandade brasileira que até sua comemoração tem uma data só nossa. Embora em todo o mundo sua festa seja celebrada em 4 de abril, data de sua morte, no Brasil ela é celebrada, desde 1983, em 5 de outubro, por uma especial deferência canônica concedida à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB.

Benedito Manasseri nasceu em 1526, na pequena aldeia de São Fratelo, em Messina, na ilha da Sicília, Itália. Era filho de africanos escravos vendidos na ilha. O seu pai, Cristóforo, herdou o nome do seu patrão, e tinha se casado com sua mãe, Diana Lancari. O casamento foi um sacramento cristão, pois eram católicos fervorosos. Considerados pela família à qual pertenciam, quando o primogênito Benedito nasceu foram alforriados junto com a criança, que recebeu o sobrenome dos Manasseri, seus padrinhos de batismo.

Cresceu pastoreando rebanhos nas montanhas da ilha e, desde pequeno, demonstrava tanto apego a Deus e à religião que os amigos, brincando, profetizavam: "Nosso santo mouro". Aos vinte e um anos de idade, ingressou entre os eremitas da Irmandade de São Francisco de Assis, fundada por Jerônimo Lanza sob a Regra franciscana, em Palermo, capital da Sicília. E tornou-se um religioso exemplar, primando pelo espírito de oração, pela humildade, pela obediência e pela alegria numa vida de extrema penitência.

Na Irmandade, exercia a função de simples cozinheiro, era apenas um irmão leigo e analfabeto, mas a sabedoria e o discernimento que demonstrava fizeram com que os superiores o nomeassem mestre de noviços e, mais tarde, foi eleito o superior daquele convento. Mas quando o fundador faleceu, em 1562, o papa Paulo IV extinguiu a Irmandade, ordenando que todos os integrantes se juntassem à verdadeira Ordem de São Francisco de Assis, pois não queria os eremitas pulverizados em irmandades sob o mesmo nome.

Todos obedeceram, até Benedito, que sem pestanejar escolheu o Convento de Santa Maria de Jesus, também em Palermo, onde viveu o restante de sua vida. Ali exerceu, igualmente, as funções mais humildes, como faxineiro e depois cozinheiro, ganhando fama de santidade pelos milagres que se sucediam por intercessão de suas orações.

Eram muitos príncipes, nobres, sacerdotes, teólogos e leigos, enfim, ricos e pobres, todos se dirigiam a ele em busca de conselhos e de orientação espiritual segura. Também foi eleito superior e, quando seu período na direção da comunidade terminou, voltou a reassumir, com alegria, a sua simples função de cozinheiro. E foi na cozinha do convento que ele morreu, no dia 4 de abril de 1589, como um simples frade franciscano, em total desapego às coisas terrenas e à sua própria pessoa, apenas um irmão leigo gozando de grande fama de santidade, que o envolve até os nossos dias.

Foi canonizado em 1807, pelo papa Pio VII. Seu culto se espalhou pelos quatro cantos do planeta. Em 1652, já era o santo padroeiro de Palermo, mais tarde foi aclamado santo padroeiro de toda a população afro-americana, mas especialmente dos cozinheiros e profissionais da nutrição. E mais: na igreja do Convento de Santa Maria de Jesus, na capital siciliana, venera-se uma relíquia de valor incalculável: o corpo do "santo Mouro", profetizado na infância e ainda milagrosamente intacto. Assim foi toda a vida terrena de são Benedito, repleta de virtudes e especiais dons celestiais provindos do Espírito Santo.

Fonte: Site da Arquidiocese de São Paulo, Santo do Dia

Oração

Ó Deus, que em São Benedito, o Negro, manifestais as vossas maravilhas, chamando à vossa Igreja homens de todos os povos, raças e nações, concedei, por sua intercessão, que todos, feitos vossos filhos e filhas pelo batismo, convivam como verdadeiros irmãos. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.


terça-feira, 4 de outubro de 2022

Devemos ser simples, humildes e puros. São Francisco de Assis.


Da Carta a todos os fiéis, de São Francisco de Assis

(Opuscula, edit. Quaracchi 1949,87-94)
(Séc. XIII)

Devemos ser simples, humildes e puros

O Pai Altíssimo anunciou a vinda do céu do tão digno, tão santo e glorioso Verbo do Pai, através de seu santo, Gabriel, à santa e gloriosa Virgem Maria, em cujo seio recebeu a verdadeira carne de nossa humanidade e fragilidade. Ele quis, no entanto, sendo incomparavelmente mais rico, escolher a pobreza junto com a sua santíssima mãe. Nas vésperas de sua paixão, celebrou a Páscoa com os discípulos. Depois, orou ao Pai dizendo: Pai, se for possível, afaste-se de mim este cálice (Mt 26,39).

Pôs, contudo, sua vontade na vontade do Pai. E a vontade do Pai era que seu Filho bendito e glorioso, dado a nós e nascido para nós, se oferecesse em sacrifício e vítima no altar da cruz, pelo seu próprio sangue. Sacrifício não para si, por quem tudo foi feito, mas por nossos pecados, deixando-nos o exemplo para lhe seguirmos as pegadas (cf. 1Pd 2,21). E quer que todos nos salvemos por ele e o acolhamos com coração puro e corpo casto.

Ó como são felizes e benditos aqueles que amam o Senhor e fazem o que o mesmo Senhor diz no evangelho: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e ao próximo como a ti mesmo! (Lc 10,27). Amemos, portanto, a Deus e adoremo-lo com coração puro e mente pura porque, acima de tudo, disto está ele à procura e diz: Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade (Jo 4,23). É necessário que todos que o adoram, o adorem no espírito da verdade. E dia e noite elevemos para ele louvores e orações, dizendo: Pai nosso que estás nos céus (Mt 6,9); porque é preciso orar sempre e não desfalecer (cf. Lc 18,1).

Além disto, produzamos dignos frutos de penitência (cf. Mt 3,8). E amemos os próximos como a nós mesmos. Tenhamos caridade e humildade e façamos esmolas, já que estas lavam as almas das nódoas dos pecados. Os homens perdem tudo o que deixam neste mundo. Levam consigo somente a paga da caridade e as esmolas que fizeram: delas receberão do Senhor o prêmio e a justa recompensa.

Não nos convém sermos sábios e prudentes segundo a carne, mas temos antes de ser simples, humildes e puros. Jamais desejemos ficar acima dos outros, mas prefiramos ser servos e submissos a toda criatura humana, por causa de Deus. Sobre todos os que assim agirem e perseverarem até o fim repousará o Espírito do Senhor e fará neles sua casa e mansão. Serão filhos do Pai celeste, pois fazem suas obras, e são esposos, irmãos e mães de nosso Senhor Jesus Cristo.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Protomártires do Brasil


SANTOS ANDRÉ DE SOVERAL, AMBRÓSIO FRANCISCO, PRESBÍTEROS, E SEUS COMPANHEIROS, MÁRTIRES

Santo André de Soveral era sacerdote jesuíta, nascido em São Vicente (SP); foi ser missionário para evangelizar os indígenas no litoral do Nordeste. Depois de passar ao clero diocesano, foi pároco em Cunhaú (RN), ali onde foi martirizado no domingo, 16 junho de 1645, durante a celebração da Missa, junto com outras 69 pessoas. O martírio ocorreu no período da ocupação holandesa no Nordeste do Brasil por protestantes calvinistas huguenotes, que moveram uma sangrenta perseguição contra os católicos ali já residentes. A capela foi cercada por índios e soldados holandeses, que trucidaram a todos. Morreram por causa de sua fé católica.

Ao saberem do massacre de Cunhaú, muitos moradores de Natal e arredores procuraram refúgio no Forte dos Reis Magos. No dia 3 de outubro de 1645, foram levados, junto com o Pe. Ambrósio Francisco Ferro, para as margens do rio Uruaçu, perto de Natal, onde os esperavam índios e soldados holandeses armados. Um pastor calvinista tentou demovê-los da fé católica, mas todos resistiram e, então, foram cruelmente trucidados ali mesmo. Santo Ambrósio Francisco Ferro, sacerdote português nascido nos Açores, atuava como pároco em Natal desde 1636. Com ele, foram martirizadas outras 80 pessoas, adultos, jovens e até crianças.

São Mateus Moreira foi um dos leigos martirizados e sua bela profissão de fé na Eucaristia foi recolhida. Ao lhe ser arrancado o coração pelas costas, vivo ainda, pronunciou suas últimas palavras: “louvado seja o Santíssimo Sacramento!” Por isso, com a aprovação da Santa Sé, a CNBB o proclamou padroeiro dos Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão Eucarística.

De fato, o Brasil possui um outro grupo de protomártires, que entregaram sua vida por Cristo e pelo Evangelho bem mais cedo: trata-se do Beato Padre Inácio de Azevedo e de seus 39 companheiros mártires. Pe. Inácio, jesuíta português, já havia estado no Brasil e, vendo a imensidade da missão a ser desempenhada, regressou à Europa para buscar colaboradores. No retorno ao Brasil, ao largo das ilhas Canárias, o navio que levava 39 missionários foi abordado por piratas anticatólicos. No dia 15 de julho de 1570, os corsários mataram Pe. Inácio e seus 39 companheiros – 31 portugueses e 8 espanhóis. Foram beatificados pelo Papa Pio IX já em 1854, e a memória litúrgica desses protomártires do Brasil é celebrada no dia 17 de julho.

Embora apenas o próprio Pe. Inácio de Azevedo tenha estado no Brasil, de fato, esse grupo de 40 mártires entregou sua vida até o martírio pela evangelização do Brasil, mesmo antes de terem pisado a Terra de Santa Cruz. São mártires da fé, testemunhas do Evangelho de Cristo e do ardor missionário que os animava.

Os mártires testemunham a força do Evangelho e o valor supremo do reino de Deus, pelo qual vale a pena entregar tudo, até a própria vida. Recordar os mártires, portanto, é valorizar o testemunho que eles deram em favor da nossa fé. Sua coragem e constância, mesmo diante da tortura e da condenação à morte, fortalecem nossa fé e nossa coragem, mesmo quando o caminho é difícil. Os santos e mártires são os grandes cristãos e membros exemplares da Igreja Católica.

Em 15 de outubro de 2017 o Papa Francisco proclamou “santos” os 30 protomártires do Rio Grande do Norte: Pe. André de Soveral, Pe. Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e seus 27 companheiros leigos - homens, mulheres e crianças. O Papa São João Paulo II os havia beatificado no dia 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro, em Roma. Na verdade, o número desses mártires é bem maior, mas os nomes da maioria deles são desconhecidos.

Fonte: Site Arquidiocese de São Paulo, Santo do Dia

Oração

Deus todo-poderoso, que destes aos Santos André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro e Seus Companheiros a graça de sofrer pelo Cristo, ajudai também a nossa fraqueza, para que possamos viver firmes em nossa fé, como eles não hesitaram em morrer por vosso amor. 

sábado, 1 de outubro de 2022

No coração da Igreja serei o amor


Da Autobiografia de Santa Teresa do Menino Jesus, virgem

(Manuscrits autobiographiques, Lisieux1957,227-229)
(Séc.XIX)

No coração da Igreja serei o amor

Meus imensos desejos me eram um autêntico martírio. Fui, então, às cartas de São Paulo a ver se encontrava uma resposta. Meus olhos caíram por acaso nos capítulos doze e treze da Primeira Carta aos Coríntios. No primeiro destes, li que todos não podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas, doutores, e que a Igreja consta de vários membros; os olhos não podem ser mãos ao mesmo tempo. Resposta clara, sem dúvida, mas não capaz de satisfazer meu desejo e dar-me a paz. Perseverei na leitura sem desanimar e encontrei esta frase sublime: Aspirai aos melhores carismas. E vos indico um caminho ainda mais excelente (1Cor 12,31). O Apóstolo esclarece que os melhores carismas nada são sem a caridade, e esta caridade é o caminho mais excelente que leva com segurança a Deus. Achara enfim o repouso.

Ao considerar o Corpo místico da Igreja, não me encontrara em nenhum dos membros enumerados por São Paulo, mas, ao contrário, desejava ver-me em todos eles. A caridade deu-me o eixo de minha vocação. Compreendi que a Igreja tem um corpo formado de vários membros e neste corpo não pode faltar o membro necessário e o mais nobre: entendi que a Igreja tem um coração e este coração está inflamado de amor. Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno.

Então, delirante de alegria, exclamei: Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, tu me deste este lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor e desse modo serei tudo, e meu desejo se realizará.

Santa Teresinha do Menino Jesus.


A vida da santa Teresa de Lisieux, ou santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, seu nome de religiosa e como o povo carinhosamente a prefere chamar, marca na história da Igreja uma nova forma de entregar-se à religiosidade. No lugar do medo do "Deus duro e vingador", ela coloca o amor puro e total a Jesus como um fim em si mesmo para toda a existência eterna. Um amor puro, infantil e total, como deixaria registrado nos livros "Infância espiritual" e "História de uma alma", editados a partir de seus escritos. Sua vida foi breve, mas plena de dedicação e entrega. Morreu virgem como Maria, a Mãe que venerava, e jovem como o amor que vivenciava a Jesus, pela pura ação do Espírito Santo.

Teresinha nasceu em Alençon, na França, em 2 de janeiro de 1873. Foi batizada com o nome de Maria Francisca Martin e desde então destinada ao serviço religioso, assim como suas quatro irmãs. Os pais, quando jovens, sonhavam em servir a Deus. Mas circunstâncias especiais os impediram e a mãe prometeu ao Senhor que cumpriria seu papel de genitora terrena, mas que suas filhas trilhariam o caminho da fé. E assim foi, com entusiasmada aceitação por parte de Teresinha desde a mais tenra idade.

Caçula, viu as irmãs mais velhas, uma a uma, consagrando-se a Deus até chegar sua vez. Mas a vontade de segui-las era tanta que não quis nem esperar a idade correta. Aos quinze anos, conseguiu permissão para entrar no Carmelo, em Lisieux, permissão concedida especial e pessoalmente pelo papa Leão XIII.

Ela própria escreveu que, para servir a Jesus, desejava ser cavaleiro das cruzadas, padre, apóstolo, evangelista, mártir... Mas ao perceber que o amor supremo era a fonte de todas essas missões, depositou nele sua vida. Sua obra não frutificou pela ação evangelizadora ou atividade caritativa, mas sim em oração, sacrifícios, provações, penitências e imolações, santificando o seu cotidiano enquanto carmelita. Essa vivência foi registrada dia a dia, sendo depois editada, perpetuando-se como livro de cabeceira de religiosos, leigos e da elite dos teólogos, filósofos e pensadores do século XX.

Teresinha teve seus últimos anos consumidos pela terrível tuberculose, que, no entanto, não venceu sua paciência com os desígnios do Supremo. Morreu em 1° de outubro de 1897, com vinte e quatro anos, depois de prometer uma chuva de rosas sobre a Terra quando expirasse. Essa chuva ainda cai sobre nós, em forma de uma quantidade incalculável de graças e milagres alcançados através de sua intervenção em favor de seus devotos.

Teresa de Lisieux foi beatificada em 1923 e canonizada em 1925 pelo papa Pio XI. Ela, que durante toda a sua vida teve um grande desejo de evangelizar e ofereceu sua vida à causa missionária, foi aclamada, dois anos depois, pelo mesmo pontífice, como "padroeira especial de todos os missionários, homens e mulheres, e das missões existentes em todo o universo, tendo o mesmo título de são Francisco Xavier". Esta "grande santa dos tempos modernos" foi proclamada doutora da Igreja pelo papa João Paulo II em 1997.

Fonte: Site Arquidiocese de São Paulo, Santo do Dia

Oração

Ó Deus, que preparais o vosso Reino para os pequenos e humildes, dai-nos seguir confiantes o caminho de Santa Teresinha do Menino Jesus, para que, por sua intercessão, nos seja revelada a vossa glória.