quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Encontramos o Messias


Das Homilias sobre o Evangelho de João, de São João Crisóstomo, bispo

(Hom. 19,1: PG 59,120-121)
(Séc. IV)

Encontramos o Messias
André, tendo permanecido com Jesus e aprendido com ele muitas coisas, não escondeu o tesouro só para si mas correu depressa à procura de seu irmão, para fazê-lo participar da sua descoberta. Repara o que lhe disse: Encontramos o Messias (que quer dizer Cristo) (Jo 1,41). Vede como logo revela o que aprendera em pouco tempo! Demonstra assim o valor do Mestre que o persuadira, bem como a aplicação e o zelo daqueles que, desde o princípio, já estavam atentos. Esta expressão, com efeito, é de quem deseja intensamente a sua vinda, espera aquele que deveria vir do céu, exulta de alegria quando ele se manifestou, e se apressa em comunicar aos outros a grande notícia. Repara também a docilidade e a prontidão de espírito de Pedro. Acorre imediatamente. E conduziu-o a Jesus (Jo 1,42), afirma o Evangelho. Mas ninguém condene a facilidade com que, não sem muita reflexão, aceitou a notícia.
É provável que o irmão lhe tenha falado pormenorizadamente mais coisas. Na verdade, os evangelistas sempre narram muitas coisas resumidamente, por razões de brevidade. Aliás, não afirma que acreditou logo, mas: E conduziu-o a Jesus (Jo 1,42), e a ele o confiou para que aprendesse com Jesus todas as coisas. Estava ali, também, outro discípulo que viera com os mesmos sentimentos. Se João Batista, quando afirma: Eis o Cordeiro e batiza no Espírito Santo (cf. Jo 1,29.33), deixou mais clara, sobre esta questão, a doutrina que seria dada pelo Cristo, muito mais fez André. Pois, não se julgando capaz de explicar tudo, conduziu o irmão à própria fonte da luz, tão contente e pressuroso, que não duvidou sequer um momento.

domingo, 26 de novembro de 2023

Venha o teu reino


Do Opúsculo sobre a Oração, de Orígenes, presbítero

(Cap. 25: PG 11,495-499)
(Séc. III)

Venha o teu reino
O Reino de Deus, conforme as palavras de nosso Senhor e Salvador, não vem visivelmente, nem se dirá: Ei-lo aqui ou ei-lo ali; mas o reino de Deus está dentro de nós (cf. Lc 17,21), pois a palavra está muito próxima de nossa boca e em nosso coração (cf. Rm 10,8). Donde se segue, sem dúvida nenhuma, que quem reza pedindo a vinda do reino de Deus pede – justamente por já ter em si um início deste reino – que ele desponte, dê frutos e chegue à perfeição. Pois Deus reina em todo o santo e quem é santo obedece às leis espirituais de Deus, que nele habita como em cidade bem administrada. Nele está presente o Pai e, junto com o Pai, reina Cristo na pessoa perfeita, segundo as palavras: Viremos a ele e nele faremos nossa morada (Jo 14,23).
Então o reino de Deus, que já está em nós, chegará por nosso contínuo adiantamento à plenitude, quando se completar o que foi dito pelo Apóstolo: sujeitados todos os inimigos, Cristo entregará o reino a Deus e Pai, a fim de que Deus seja tudo em todos (cf. 1Cor 15,24.28). Por isto, rezemos sem cessar, com aquele amor que pelo Verbo se faz divino; e digamos a nosso Pai que está nos céus: Santificado seja teu nome, venha o teu reino (Mt 6,9-10). É de se notar também a respeito do reino de Deus: da mesma forma que não há participação da justiça com a iniqüidade nem sociedade da luz com as trevas nem pacto de Cristo com Belial (cf. 2Cor 6,14-15), assim o reino de Deus não pode subsistir junto com o reino do pecado. Por conseguinte, se queremos que Deus reine em nós, de modo algum reine o pecado em nosso corpo mortal (Rm 6,12), mas mortifiquemos nossos membros que estão na terra (cf. Cl 3,5) e produzamos fruto no Espírito.
Passeie, então, Deus em nós como em paraíso espiritual, e reine só ele, junto com seu Cristo; e que em nós se assente à destra de sua virtude espiritual, objeto de nosso desejo. Assente-se até que seus inimigos todos que existem em nós sejam reduzidos a escabelo de seus pés (Sl 109,1), lançados fora todo principado, potestade e virtude. Tudo isto pode acontecer a cada um de nós e ser destruída a última inimiga, a morte (1Cor 15,26). E Cristo diga também dentro de nós: Onde está, ó morte, teu aguilhão? Onde está, inferno, tua vitória? (1Cor 15,55; cf. Os 13,14). Já agora, portanto, o corruptível em nós se revista de santidade e de incorruptibilidade, destruída a morte, vista a imortalidade paterna (cf. 1Cor 15,54), para que, reinando Deus, vivamos dos bens do novo nascimento e da ressurreição.



segunda-feira, 6 de novembro de 2023

A necessidade de formar as mentespara um novo espírito de paz


Da Constituição Pastoral Gaudium et spes, sobre a Igreja no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II
(Nn. 82-83)
(Séc. XX)

A necessidade de formar as mentes
para um novo espírito de paz

Acautelem-se os homens de julgar suficiente a confiança nas tentativas de alguns, sem cuidar da própria mentalidade. Pois os chefes de Estado, fiadores que são do bem comum da própria nação e igualmente promotores do bem comum mundial, dependem muitíssimo da opinião e da mentalidade das multidões. Nada lhes aproveita insistir na construção da paz, enquanto sentimentos de hostilidade, desprezo ou desconfiança, ódios raciais e ideologias obstinadas dividem os homens em campos opostos.
Daí a urgência máxima da reeducação da mentalidade e da nova inspiração da opinião pública. Os que se consagram à obra da educação, em particular da juventude, ou à formação da opinião pública, considerem como o seu dever mais grave inculcar no espírito de todos novos sentimentos pacíficos. Nós todos temos de transformar nossos corações, abrindo os olhos sobre o mundo inteiro e aquelas tarefas que, todos juntos, podemos cumprir, para o feliz progresso da humanidade. Não nos engane falsa esperança. Pois sem abandonar as inimizades e os ódios e sem concluir no futuro pactos firmes e honestos de paz universal, a humanidade, que já se encontra em situação muito crítica, apesar de dotada de ciência admirável, seja talvez fatalmente levada ao momento em que outra paz não experimente senão a horrenda paz da morte. A Igreja de Cristo, porém, ao pronunciar estas palavras, colocadas no meio da angústia deste tempo, não abandona sua firme esperança. Sempre de novo, oportuna e inoportunamente, repete a nosso tempo a mensagem apostólica: Este é o tempo propício para se converterem os corações, este é o dia da salvação (cf. 2Cor 6,2).
Para construir a paz é antes de tudo imprescindível extirpar as causas de desentendimento entre os homens. Estas alimentam a guerra, sobretudo as injustiças. Não poucas provêm das excessivas desigualdades econômicas, bem como do atraso em lhes trazer os remédios necessários. Outras surgem do espírito de domínio, do desprezo das pessoas e, investigando as causas mais profundas, da inveja, da desconfiança, da soberba e de outras paixões egoístas. Como o homem não suporta tantas desordens, resulta que, mesmo fora dos tempos de guerra, o mundo é constantemente perturbado por rivalidades entre os homens e por atos de violência.
Estes mesmos males infestam as relações entre as próprias nações. Por isso é de absoluta necessidade, para vencer ou prevenir e coibir as violências desenfreadas, que as instituições internacionais desenvolvam melhor e reforcem sua cooperação e coordenação; e se estimule incansavelmente a criação de organismos promotores da paz.

sábado, 4 de novembro de 2023

Não sejas como quem diz uma coisa e faz outra


Do Sermão proferido no último sínodo por São Carlos, bispo

(ActaEclesiae Mediolanensis, Mediolani 1599,1177-1178)
(Séc.XVI)

Não sejas como quem diz uma coisa e faz outra


Somos todos fracos, confesso, mas o Senhor Deus nos entregou meios com que, se quisermos, poderemos ser fortalecidos com facilidade. Tal sacerdote desejaria possuir uma vida íntegra, que dele é exigida, ser continente e ter um comportamento angélico, como convém, mas não se resolve a empregar estes meios: jejuar, orar, fugir das más conversas e de nocivas e perigosas familiaridades. Queixa-se de que, ao entrar no coro para a salmodia, ao dirigir-se para celebrar a missa, logo mil pensamentos lhe assaltam a mente e o distraem de Deus. Mas, antes de ir ao coro ou à missa, que fez na sacristia, como se preparou, que meios escolheu e empregou para fixar a atenção?

Queres que te ensine a caminhar de virtude em virtude e como seres mais atento ao ofício, ficando assim teu louvor mais aceito de Deus? Escuta o que digo. Se ao menos uma fagulha do amor divino já se acendeu em ti, não a mostres logo, não a exponhas ao vento! Mantém encoberta a lâmpada, para não se esfriar e perder o calor; isto é, foge, tanto quanto possível, das distrações; fica recolhido junto de Deus, evita as conversas vãs.

Tua missão é pregar e ensinar? Estuda e entrega-te ao necessário para bem exerceres este encargo. Faze, primeiro, por pregar com a vida e o comportamento. Não aconteça que, vendo-te dizer uma coisa e fazer outra, zombem de tuas palavras, abanando a cabeça. Exerces cura de almas? Não negligencies por isso o cuidado de ti mesmo, nem dês com tanta liberalidade aos outros que nada sobre para ti. Com efeito, é preciso te lembrares das almas que diriges, sem que isto te faça esquecer da tua.

Entendei, irmãos, nada mais necessário aos eclesiásticos do que a oração mental que precede, acompanha e segue todos os nossos atos: Salmodiarei, diz o Profeta, e entenderei (cf. Sl 100,1Vulg.). Se administras os sacramentos, ó irmão, medita no que fazes; se celebras a missa, medita no que ofereces; se salmodias no coro, medita a quem e no que falas; se diriges as almas, medita no sangue que as lavou e, assim, tudo o que é vosso se faça na caridade (1Cor 16,14). Deste modo, as dificuldades que encontramos todos os dias, inúmeras e necessárias (para isto estamos aqui), serão vencidas com facilidade. Teremos, assim, a força de gerar Cristo em nós e nos outros.